“O
ruído de uma moto passando na estrada é acompanhado pelos
latidos do Bagre, roucos como berros de um fumante inveterado. O pai
franze a testa. Não atura esse vira-lata
insolente e barulhento e o mantém somente por senso de
responsabilidade. Tu
pode deixar pra trás um filho, um irmão, um pai, com certeza uma
mulher, há circunstâncias em que tudo isso é justificável, mas
não tem o direito de deixar pra trás um cachorro depois de cuidar
dele por um certo tempo,
disse-lhe uma vez quando ainda era criança e a família completa
vivia numa casa em Ipanema pela qual passaram meia dúzia de cães.
Os cachorros abdicam pra sempre de parte do instinto pra viver com as
pessoas e nunca mais podem recuperá-lo por completo. Um cachorro
fiel é um animal aleijado. É um pacto que não pode ser desfeito
por nós. O cachorro pode desfazê-lo, embora seja raro. Mas o homem
não tem esse direito, dizia o pai. A tosse seca do Bagre devia ser
aturada, portanto. É o que fazem agora os dois, o pai e Beta, a
velha pastora australiana deitada a seu lado, uma cadela de fato
admirável, inteligente e circunspecta, forte e parruda como um
javali.”
Daniel
Galera,
in
Barba
Ensopada de Sangue
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