José
Arcadio Buendía nem sequer tentou consolá-la, entregue que estava
por inteiro às suas experiências táticas, com a abnegação de um
cientista e até mesmo com o risco da própria vida. Tentando
demonstrar os efeitos da lupa na tropa inimiga, ele mesmo se expôs à
concentração dos raios solares e sofreu queimaduras que se
transformaram em úlceras e demoraram muito tempo para sarar. Diante
dos protestos da mulher, alarmada por tão perigosa inventiva, por
pouco não incendiou a casa. Passava longas horas no quarto, fazendo
os cálculos das possibilidades estratégicas da nova arma, até que
conseguiu compor um manual de uma assombrosa clareza didática e um
poder de convicção irresistível.
Enviou-o
às autoridades, acompanhado de numerosos testemunhos sobre as suas
experiências e de vários apêndices de desenhos explicativos, aos
cuidados de um mensageiro que atravessou a serra, extraviou-se em
pântanos desmesurados, subiu rios tormentosos e esteve a ponto de
perecer sob o ataque das feras, o desespero e a peste, até encontrar
um caminho que o levasse às mulas do correio. Embora a viagem à
capital fosse naquele tempo quase impossível, José Arcadio Buendía
prometia tentá-la logo que o governo ordenasse, com o fim de fazer
demonstrações práticas do seu invento diante dos poderes
militares, e adestrá-los pessoalmente nas complicadas artes da
guerra solar. Durante vários anos esperou a resposta. Por fim,
cansado de esperar, lamentou-se diante de Melquíades do fracasso da
sua iniciativa e o cigano, então, deu uma prova convincente de
honradez: devolveu-lhe os dobrões em troca da lupa e deixou, para
ele, além disso, uns mapas portugueses e vários instrumentos de
navegação. De seu próprio punho e letra escreveu uma apertada
síntese dos estudos do monge Hermann, que deixou à sua disposição
para que pudesse se servir do astrolábio, da bússola e do sextante.
José Arcadio Buendía passou os longos meses de chuva fechado num
quartinho que construíra no fundo da casa, para que ninguém
perturbasse as suas experiências. Tendo abandonado completamente as
obrigações domésticas, permaneceu noites inteiras no quintal,
vigiando o movimento dos astros, e quase sofreu uma insolação, por
tentar estabelecer um método exato para determinar o meio-dia.
Quando se tornou perito no uso e manejo dos seus instrumentos, passou
a ter uma noção do espaço que lhe permitiu navegar por mares
incógnitos, visitar territórios desabitados e travar relações com
seres esplêndidos, sem necessidade de abandonar o seu gabinete. Foi
por essa ocasião que adquiriu o hábito de falar sozinho, passeando
pela casa sem se incomodar com ninguém, enquanto Úrsula e as
crianças suavam em bicas na horta cuidando da banana e da taioba, do
aipim e do inhame, do cará e da berinjela. De repente, sem anúncio
prévio, a sua atividade febril se interrompeu e foi substituída por
uma espécie de fascinação. Esteve vários dias como que
enfeitiçado, repetindo para si mesmo em voz baixa um rosário de
assombrosas conjeturas, sem dar crédito ao próprio entendimento.
Por fim, numa terça-feira de dezembro, na hora do almoço, soltou de
uma vez todo o peso do seu tormento. As crianças haviam de recordar
pelo resto da vida a augusta solenidade com que o pai se sentou na
cabeceira da mesa, tremendo de febre, devastado pela prolongada
vigília e pela pertinácia da sua imaginação, e revelou a eles a
sua descoberta:
-
A terra é redonda como uma laranja.
Úrsula
perdeu a paciência. “Se você pretende ficar louco, fique
sozinho”, gritou. “Não tente incutir nas crianças as suas
ideias
de cigano.” José Arcadio Buendía, impassível, não se deixou
amedrontar pelo desespero da mulher que, num impulso de cólera,
destroçou o astrolábio contra o solo. Construiu outro, reuniu no
quartinho os homens do povoado e demonstrou a eles, com teorias que
acabaram sendo incompreensíveis para todos, a possibilidade de
regressar ao ponto de partida navegando sempre para o Oriente. A
aldeia inteira já estava convencida de que José Arcadio Buendía
tinha perdido o juízo, quando Melquíades chegou para pôr a coisa
em pratos limpos. Ressaltou em público a inteligência daquele homem
que, por pura especulação astronômica, construíra uma teoria já
comprovada na prática, se bem que desconhecida até então em
Macondo, e como uma prova da sua admiração deu-lhe um presente que
havia de exercer uma influência decisiva no futuro da aldeia: um
laboratório de alquimia.
Gabriel
García Márquez,
in Cem
anos de solidão
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