“Os
prazeres ardentes são momentâneos, e custam graves inconvenientes.
O que devemos cobiçar é viver sem sofrer muito. Aquele que sofre
foge-lhe
uma parte da existência. O mal é nocivo à plenitude da vida por
que é sempre causa do aniquilamento. Quando o sofrimento nos ameaça,
e receamos que as forças defensivas nos faleçam, suspendem-se os
outros movimentos do nosso coração, e então pouco há que esperar
de nós, por que se torna incerto o nosso destino. O bem-estar de
grande número
de indivíduos,
que vivem retirados das agitações, depende mais da sua disposição
habitual de pensamento que da influência de causas exteriores. A
crise moral pode surpreendê-los e magoá-los momentaneamente; mas a
força dos acontecimentos é meramente relativa. Os sofrimentos são
mais ou menos intensos, conforme a época em que nos oprimem. O que
ontem poderia aniquilar-me, levemente me incomoda hoje. Cinco minutos
de reflexão me bastam. A maior parte dos objetos encerram e
presentam, indiretamente pelo menos, as propriedades oportunas.
Pô-las em ação é no que assenta a indústria
da felicidade. Ha aí que farte instrumentos fecundos de prazeres
úteis; ponto é saber meneá-los. Quem não sabe trabalhar com eles,
fere-se. Discernir, isto é, refletir é o que mais importa…”
Camilo
Castelo Branco,
in
Cenas
Inocentes da Comédia Humana
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