terça-feira, 28 de julho de 2015

Brincadeira

Começou como uma brincadeira. Telefonou para um conhecido e disse: – Eu sei de tudo.
Depois de um silêncio, o outro disse:
Como é que você soube?
Não interessa. Sei de tudo.
Me faz um favor. Não espalha.
Vou pensar.
Por amor de Deus.
Está bem. Mas olhe lá, hein?
Descobriu que tinha poder sobre as pessoas.
Sei de tudo.
Co- como?
Sei de tudo.
Tudo o quê?
Você sabe.
Mas é impossível. Como é que você descobriu?
A reação das pessoas variava. Algumas perguntavam em seguida:
Alguém mais sabe?
Outras se tornavam agressivas:
Está bem, você sabe. E daí?
Daí nada. Só queria que você soubesse que eu sei.
Se você contar para alguém, eu…
Depende de você.
De mim, como?
Se você andar na linha, eu não conto.
Certo. 
Uma vez, parecia ter encontrado um inocente.
Eu sei de tudo.
Tudo o quê?
Você sabe.
Não sei. O que é que você sabe?
Não se faz de inocente.
Mas eu realmente não sei.
Vem com essa.
Você não sabe de nada.
Ah, quer dizer que existe alguma coisa pra saber, mas eu é que não sei o que é?
Não existe nada.
Olha que eu vou espalhar…
Pode espalhar que é mentira.
Como é que você sabe o que eu vou espalhar?
Qualquer coisa que você espalhar será mentira.
Está bem. Vou espalhar.
Mas dali a pouco veio um telefonema.
Escute. Estive pensando melhor. Não espalha nada sobre nada daquilo.
Aquilo o quê?
Você sabe.
Passou a ser temido e respeitado. Volta e meia alguém se aproximava dele e sussurrava:
Você contou para alguém?
Ainda não.
Puxa. Obrigado.
Com o tempo, ganhou uma reputação. Era de confiança. Um dia, foi procurado por um amigo com uma oferta de emprego. O salário era enorme.
Por que eu? – quis saber.
A posição é de muita responsabilidade – disse o amigo. – Recomendei você.
Por quê?
Pela sua descrição.
Subiu na vida. Dele se dizia que sabia tudo sobre todos, mas nunca abria a boca para falar de ninguém. Além de bem-informado, um gentleman. Até que recebeu um telefonema. Uma voz misteriosa que disse:
Sei de tudo.
Co- como?
Sei de tudo.
Tudo o quê?
Você sabe.
Resolveu desaparecer. Mudou-se de cidade. Os amigos estranharam o seu desaparecimento repentino. Investigara. O que ele estaria tramando? Finalmente foi descoberto numa praia remota. Os vizinhos contam que a voz que uma noite vieram muitos carros e cercaram a casa. Várias pessoas entraram na casa. Ouviram-se gritos. Os vizinhos contam que mais se ouvia era a dele, gritando:
Era brincadeira! Era brincadeira!
Foi descoberto de manhã, assassinado. O crime nunca foi desvendado. Mas as pessoas que o conheciam não têm dúvidas sobre o motivo.
Sabia demais.
Luís Fernando Veríssimo

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