segunda-feira, 29 de junho de 2015

Medo das teses

Eu tenho medo das “teses” quando se apoderam de um artista jovem, sobretudo nos começos da sua carreira. E sabem o que eu temo? Muito simplesmente que não consiga os objetos da tese. Pensará um simpático crítico, a quem li há pouco e cujo nome agora não vou citar, que toda a obra artística isenta de tese prévia, realizada exclusivamente com um objetivo artístico, e até de assunto inteiramente secundário e não correspondendo a nada de “tendencioso” possa resultar nuns proveitos para o seu objetivo ainda que à primeira vista dê a impressão de satisfazer apenas “uma ociosa curiosidade”? Porventura as nossas pessoas cultas ainda não se deram conta do que pode passar-se no coração e na inteligência dos nossos escritores e artistas jovens? Que confusão de ideias e de sentimentos preconcebidos!
Sob a pressão da sociedade, o jovem poeta sufoca na alma o seu natural anelo de espraiar-se em formas singulares; receia que condenem a sua “ociosa curiosidade”; reprime essas formas que lhe brotam do fundo da alma; nega-lhes vida e atenção e arranca de dentro, entre espasmos, o tema que à sociedade agrada, que é grato à opinião liberal e social. Mas que erro tão horrivelmente cândido e ingênuo, que erro tão crasso! Um dos mais grosseiros erros consiste em que a denúncia do vício (ou do que ao liberalismo se antolha como tal) e a incitação ao ódio e à vingança se consideram o único caminho possível para a consecução do fim. Contudo, até mesmo nesse exíguo caminho um grande talento poderia desenvolver-se e não se afundar nos princípios da sua carreira; bastaria recordar-se mais amiúde da regra áurea, de que as palavras que se dizem são de prata e as que se calam... são de ouro. Há talentos notáveis que prometiam muito, mas a quem a tendência corroeu de tal modo que lhes encaixou um uniforme.
Fiodor Dostoievski, in Diário de um Escritor

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