sábado, 2 de maio de 2015

Essas demasias do coração

Fotograma da minissérie Grande sertão: veredas

Diadorim vinha constante comigo. Que viesse sentido, soturno? Não era, não, isso eu é que estava crendo, e quase dois dias enganoso cri. Depois, somente, entendi que o emburro era mesmo meu. Saudade de amizade. Diadorim caminhava correto, com aquele passo curto, que o dele era, e que a brio pelejava por espertar. Assumi que ele estava cansado, sofrido também. Aí mesmo assim, escasso no sorrir, ele não me negava estima, nem o valor de seus olhos. Por um sentir: às vezes eu tinha a cisma de que, só de calcar o pé em terra, alguma coisa nele doesse. Mas, essa ideia, que me dava, era do carinho meu. Tanto que me vinha a vontade, se pudesse, nessa caminhada, eu carregava Diadorim, livre de tudo, nas minhas costas. Até, o que me alegrava, era uma fantasia, assim como se ele, por não sei que modo, percebesse meus cuidados, e no próprio sentir me agradecendo. O que brotava em mim e rebrotava: essas demasias do coração. Continuando, feito um bem, que sutil, e nem me perturbava, porque a gente guardasse cada um consigo sua tenção de bem-querer, com esquivança de qualquer pensar, do que a consciência escuta e se espanta; e também em razão de que a gente mesmo deixava de excogitar e conhecer o vulto verdadeiro daquele afeto, com seu poder e seus segredos: assim é que hoje eu penso. Mas, então, num determinado, eu disse:
-“Diadorim, um mimo eu tenho, para você destinado, e de que nunca fiz menção...” - o qual era a pedra de safira, que do Arassuaí eu tinha trazido, e que à espera de uma ocasião sensata eu vinha com cautela guardando, enrolada numa pouca de algodão, dentro de um saquitel igual a de um breve, costurado no forro da bolsa menorzinha da minha mochila.”
Guimarães Rosa, in Grande sertão: veredas

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