“– Sabe? Eu descobri como funciona esse esquema.
– Ah,
é?
–
Você
já viu aquele planetinha daquele
livro do Pequeno Príncipe?
– Sei,
acho que me lembro.
O
outro faz um gesto com as mãos formando uma esfera no ar.
–
É
um planetinha, pequeno… Tem uma flor e acho que uma casinha… É assim.
Diz
isso projetando a pequena esfera na direção de Júnior.
– Sei,
sei…
– É
isso, porra! É isso…
–
Entendo.
–
Entende,
nada. Entende?!
O
outro faz um gesto de desprezo que desmancha a esfera.
– Eles
botaram a gente aqui.
–
Claro…
–
Deus
botou a gente nesse planetinha do
caralho. Do caralho do Pequeno Príncipe. Aí ele falou: Meu amigo, tudo isso é seu. Tem ali uma plantinha de merda que dá um gruto gostoso. Ali tem uma vaquinha de bosta que dá leite. E tem trigo para fazer o pão. Até
aí tudo bem né?
– É
tudo o que precisamos…
– É,
mas ai ele mostra um buraco na terra. Um buraco feito uma cova.
–
Certo…
–
Então
ele diz: Tudo isso é seu. E ainda vou te mandar uma mulher e uma crianças... Isso
eu acho que é só pra encher nosso saco e distrair a gente dessa
merda toda. Assim não sacamos o esquema, tá ligado?
– E
qual é o esquema?
– Posso
continuar?
–
Claro!
–
Então
faz favor de não ficar me interrompendo. Bom! Aí Deus explica o
esquema. Ele diz: Meu filho, tudo isso é seu. A única coisa que você precisa fazer é tapar aquele buraco. A tal cova que eu te falei.
– Sei.
– Pois
então. Cada vez que esse homenzinho tapa a porra do buraco, acaba
fazendo outro do mesmo tamanho. Percebe?
–
Entendo.
–
Então.
É isso. É isso sem fim. Tapa um buraco, faz outro igual. Tapa um,
faz outro. Até o dia em que o infeliz morre. Só assim você pode
tapar um buraco sem fazer outro igual. O buraco é sob medida.
–
Legal.
–
Porra!
Legal, o caralho!
– A
história, quis dizer.
– Ou
seja, é pau no teu cu. Percebe? É isso. Pra Deus nós somos apenas
os que podem tapar o buraco que ele não consegui tapar. Entende? É
como na obra. Se falta areia, cê não faz parede. Não adianta
tijolo, nem cimento. Eu acho que Deus errou nos cálculos. Aí, como
já estava de saco cheio, inventou a gente. Tipo umas formigas. Uns
formigões, sacou?”
Lourenço
Mutarelli,
in A arte de
produzir efeito sem causa
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