domingo, 24 de maio de 2015

Diálogo entre dois mendigos num bar qualquer de São Paulo


 

 Sabe? Eu descobri como funciona esse esquema.
Ah, é?
Você já viu aquele planetinha daquele livro do Pequeno Príncipe?
Sei, acho que me lembro.
O outro faz um gesto com as mãos formando uma esfera no ar.
É um planetinha, pequeno… Tem uma flor e acho que uma casinha… É assim.
Diz isso projetando a pequena esfera na direção de Júnior.
Sei, sei…
É isso, porra! É isso…
Entendo.
Entende, nada. Entende?!
O outro faz um gesto de desprezo que desmancha a esfera.
Eles botaram a gente aqui.
Claro…
Deus botou a gente nesse planetinha do caralho. Do caralho do Pequeno Príncipe. Aí ele falou: Meu amigo, tudo isso é seu. Tem ali uma plantinha de merda que dá um gruto gostoso. Ali tem uma vaquinha de bosta que dá leite. E tem trigo para fazer o pão. Até aí tudo bem né?
É tudo o que precisamos…
É, mas ai ele mostra um buraco na terra. Um buraco feito uma cova.
Certo…
Então ele diz:  Tudo isso é seu. E ainda vou te mandar uma mulher e uma crianças... Isso eu acho que é só pra encher nosso saco e distrair a gente dessa merda toda. Assim não sacamos o esquema, tá ligado?
E qual é o esquema?
Posso continuar?
Claro!
Então faz favor de não ficar me interrompendo. Bom! Aí Deus explica o esquema. Ele diz:  Meu filho, tudo isso é seu. A única coisa que você precisa fazer é tapar aquele buraco. A tal cova que eu te falei.
Sei.
Pois então. Cada vez que esse homenzinho tapa a porra do buraco, acaba fazendo outro do mesmo tamanho. Percebe?
Entendo.
Então. É isso. É isso sem fim. Tapa um buraco, faz outro igual. Tapa um, faz outro. Até o dia em que o infeliz morre. Só assim você pode tapar um buraco sem fazer outro igual. O buraco é sob medida.
Legal.
Porra! Legal, o caralho!
A história, quis dizer.
Ou seja, é pau no teu cu. Percebe? É isso. Pra Deus nós somos apenas os que podem tapar o buraco que ele não consegui tapar. Entende? É como na obra. Se falta areia, cê não faz parede. Não adianta tijolo, nem cimento. Eu acho que Deus errou nos cálculos. Aí, como já estava de saco cheio, inventou a gente. Tipo umas formigas. Uns formigões, sacou?”
Lourenço Mutarelli, in A arte de produzir efeito sem causa

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