Netos
são como heranças: você os ganha sem merecer. Sem ter feito nada
para isso, de repente lhe caem do céu. É, como dizem os ingleses,
um ato de Deus. Sem se passarem as penas do amor, sem os compromissos
do matrimônio, sem as dores da maternidade. E não se trata de um
filho apenas suposto, como o filho adotado: o neto é realmente o
sangue do seu sangue, filho de filho, mais filho que o filho mesmo...
Quarenta
anos, quarenta e cinco... Você sente, obscuramente, nos seus ossos,
que o tempo passou mais depressa do que esperava. Não lhe incomoda
envelhecer, é claro. A velhice tem as suas alegrias, as suas
compensações — todos dizem isto embora você pessoalmente, ainda
não as tenha descoberto — mas acredita.
Todavia,
também obscuramente, também sentida nos seus ossos, às vezes lhe
dá aquela nostalgia da mocidade. Não de amores nem de paixões: a
doçura da meia-idade não lhe exige essas efervescências. A saudade
é de alguma coisa que você tinha e lhe fugiu sutilmente junto com a
mocidade. Bracinhos de criança no seu pescoço. Choro de criança. O
tumulto da presença infantil ao seu redor. Meus Deus, para onde
foram as suas crianças? Naqueles adultos cheios de problemas que
hoje são seus filhos, que têm sogro e sogra, cônjuge, emprego,
apartamento a prestações, você não encontra de modo nenhum as
suas crianças perdidas. São homens e mulheres - não são mais
aqueles que você recorda.
E
então um belo dia, sem que lhe fosse imposta nenhuma das agonias da
gestação ou do parto, o doutor lhe põe nos braços um menino.
Completamente grátis — aquela criancinha da sua raça, da qual
você morria de saudades, símbolo ou penhor da mocidade perdida.
Pois aquela criancinha, longe de ser um estranho, é um menino que
lhe é "devolvido". E o espantoso é que todos lhe
reconhecem o seu direito de o amar com extravagância; ao contrário
causaria escândalo e decepção se você não o acolhesse
imediatamente com todo aquele amor recalcado que há anos se
acumulava, desdenhado, no seu coração.
Sim,
tenho certeza que a vida nos dá os netos para nos compensar de todas
as mutilações trazidas pela velhice. São amores novos, profundos e
felizes que vêm ocupar aquele lugar vazio, nostálgico, deixado
pelos arroubos juvenis. Aliás, desconfio muito de que os netos são
melhores que namorados, pois que as violências da mocidade produzem
mais lágrimas do que enlevos.
No
entanto — no entanto! — nem tudo são flores no caminho da avó.
Há, acima de tudo, o entrave maior, a grande rival: a mãe. Não
importa que ela , em si, seja sua filha. Não deixa por isso de ser
mãe do garoto. Não importa que ela, hipocritamente ensine o menino
a lhe dar beijos e a lhe chamar de "vovozinha", e lhe conte
que de noite, às vezes, ele de repente acorda e pergunta por você.
São lisonjas, nada mais. No fundo ela é rival mesmo. Rigorosamente,
nas suas posições respectivas, a mãe e a avó representam, em
relação ao neto, papéis muito semelhantes ao da esposa e da amante
dos triângulos conjugais. A mãe tem todas as vantagens da
domesticidade e da presença constante. Dorme com ele, dá-lhe de
comer, dá-lhe banho, veste-o. Embala-o de noite. Contra si tem a
fadiga da rotina, a obrigação de educar e o ônus de castigar.
Já
a avô, não tem direitos legais, mas oferece a sedução do romance
e do imprevisto. Mora em outra casa. Traz presentes. Faz coisas não
programadas. Leva a passear, "não ralha nunca". Deixa
lambuzar de pirulitos. Não tem a menor pretensão pedagógica. É a
confidente das horas de ressentimento, o último recurso nos momentos
de opressão, a secreta aliada nas crises de rebeldia. Uma noite
passada em sua casa é uma deliciosa fuga à rotina, tem todos os
encantos de uma aventura. Lá não há linha divisória entre o
proibido e o permitido. Dormir sem lavar as mãos, recusar a sopa e
comer croquetes, tomar café — café! — mexer no armário da
louça, fazer trem com as cadeiras da sala, destruir revistas,
derramar a água do gato, acender e apagar a luz elétrica mil vezes
se quiser e até fingir que está discando o telefone. Riscar a
parece com o lápis dizendo que foi sem querer — e ser acreditado!
Fazer má-criação aos gritos e, em vez de apanhar, ir para os
braços da avó e de lá escutar os debates sobre os perigos e os
erros da educação moderna.
Sabe-se
que, no reino dos céus, o cristão defunto desfruta os mais
requintados prazeres da alma. Porém esses prazeres não estarão
muito acima da alegria de sair de mãos dadas com o seu neto, numa
manhã de sol. E olhe que aqui embaixo você ainda tem o direito de
sentir orgulho, que aos bem-aventurados será defeso. Meu Deus, o
olhar das outras avós, com os seus filhotes magricelas ou obesos, a
morrerem de inveja do seu maravilhoso neto.
E
quando você vai embalar o menino e ele, tonto de sono, abre um olho,
lhe reconhece, sorri e diz: "Vó!", seu coração estala de
felicidade, como pão ao forno.
E
o misterioso entendimento que há entre avó e neto, na hora em que a
mãe o castiga, e ele olha para você, sabendo que se você não ousa
intervir abertamente, pelo menos lhe dá sua incondicional
cumplicidade...
Até
as coisas negativas se viram em alegrias quando se intrometem entre
avó e neto: o bibelô de estimação que se quebrou porque o
menininho — involuntariamente! — bateu com a bola nele. Está
quebrado e remendado, mas enriquecido com preciosas recordações: os
cacos na mãozinha, os olhos arregalados, o beiço pronto para o
choro; e depois, o sorriso malandro e aliviado porque "ninguém"
se zangou, o culpado foi a bola mesma, não foi, Vó? Era um simples
boneco que custou caro. Hoje é relíquia: não tem dinheiro que
pague.
Rachel
de Queiroz
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