“Faz
de conta que vivia e que não estivesse morrendo pois viver afinal
não passava de se aproximar cada vez mais da morte, faz de conta que
ela não ficava com os braços caídos de perplexidade quando os fios
de ouro que fiava se embaraçavam e ela não sabia desfazer o fino
fio frio, faz de conta que ela era sábia o bastante para desfazer os
nós de corda de marinheiro que lhe atavam os punhos, faz de conta
que tinha um cesto de pérolas só para olhar a luz da lua pois ela
era lunar, faz de conta que ela fechasse os olhos e seres amados
surgissem quando abrisse os olhos úmidos de gratidão, faz de conta
que tudo o que não era faz de conta, faz de conta que se descontraía
o peito e uma
luz douradíssima e leve a guiava por uma floresta de açudes e de
tranquilas
mortalidades, faz de conta que ela não era lunar, faz de conta que
ela não estava chorando por dentro.”
Clarice
Lispector,
in Uma
aprendizagem ou O livro dos prazeres
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