“Eu
andava no pátio, arrastando um chocalho, brincando de boi. Minha
avó, sinha Germana, passava os dias falando só, xingando as
escravas, que não existiam. Trajano Pereira de Aquino Cavalcante e
Silva tomava pileques tremendos. Às vezes subia à vila,
descomposto, um camisão vermelho por cima da ceroula de algodão
encaroçado, chapéu de ouricuri, alpercatas e varapau. Nos dias
santos, de volta da igreja, mestre Domingos, que havia sido escravo
dele e agora possuía venda sortida, encontrava o antigo senhor
escorado no balcão de Teotoninho Sabiá, bebendo cachaça e jogando
três-setes com os soldados. O preto era um sujeito perfeitamente
respeitável. Em horas de solenidade usava sobrecasaca de chita,
correntão de ouro atravessado de um bolso a outro do colete,
chinelos de trança, por causa dos calos, que não aguentavam
sapatos. Por baixo do chapéu duro, a testa retinta, úmida de suor,
brilhava como um espelho. Pois, apesar de tantas vantagens, mestre
Domingos, quando via meu avô naquela desordem, dava-lhe o braço,
levava-o para casa, curava-lhe a bebedeira com amoníaco. Trajano
Pereira de Aquino Cavalcante e Silva vomitava na sobrecasaca de
mestre Domingos e gritava:
-
Negro, tu não respeitas teu senhor não, negro!
Graciliano
Ramos, in Angústia
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