Fotograma do filme Vidas Secas
“Agora
olhavam as lojas, as toldas, a mesa do leilão. E conferenciavam pasmados.
Tinham percebido que havia muitas pessoas no mundo. Ocupavam-se em descobrir
uma enorme quantidade de objetos. Comunicaram baixinho um ao outro as surpresas
que os enchiam. Impossível imaginar tantas maravilhas juntas. O menino mais novo
teve uma dúvida e apresentou-a timidamente ao irmão. Seria que aquilo tinha
sido feito por gente? O menino mais velho hesitou, espiou as lojas, as toldas iluminadas, as moças bem
vestidas. Encolheu os ombros. Talvez aquilo tivesse sido feito por gente. Nova
dificuldade chegou-lhe ao espírito, soprou-a no ouvido do irmão. Provavelmente aquelas
coisas tinham nomes. O menino mais novo interrogou-o com os olhos. Sim, com
certeza as preciosidades que se exibiam nos altares da igreja e nas prateleiras
das lojas tinham nomes. Puseram-se a discutir a questão intrincada. Como podiam
os homens guardar tantas palavras? Era impossível, ninguém conservaria tão
grande soma de conhecimentos. Livres dos nomes, as coisas ficavam distantes,
misteriosas. Não tinham sido feitas por gente. E os indivíduos que mexiam nelas
cometiam imprudência. Vistas de longe, eram bonitas. Admirados e medrosos, falavam
baixo para não desencadear as forças estranhas que elas porventura encerrassem.”
Graciliano Ramos, in Vidas Secas
*As impressões que têm dois personagens do romance, o menino mais
velho e o menino mais novo, ao deixarem a fazenda em que seu pai trabalhava
como vaqueiro, para irem à festa de Natal em uma pequena cidade.
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