“Há que instruir o povo.
Afigura-se-nos, porém, que é presunção demasiada, em nosso parecer, pelo menos,
pensar que o povo sem mais nem para quê vai ouvir-nos de boca aberta. Porque o
povo não é um rebanho de carneiros! Mais ainda: estamos convencidos de que
compreende, ou pelo menos pressente, que nós, os senhores, tampouco sabemos
nada, ainda que nos apresentemos como mestres, e que precisamos que alguém nos
ensine primeiro; eis por que efetivamente não respeita a nossa ciência, ou pelo
menos não a ama.
Quem tiver tido algum comércio
com o povo poderá verificar por si próprio esta impressão. Para que o povo nos
ouça, efetivamente, de boca aberta, há que começar por merecê-lo, isto é, por
ganhar a sua confiança, o seu respeito e essa nossa ideia de que basta usarmos
da palavra para ele nos ouvir boquiaberto... não é a mais indicada para
granjearmos a sua confiança e muito menos a sua estima. Mas o povo
compreende-o. Não há nada que o homem entenda melhor que o tom com que nos
dirigimos a ele, o sentimento que ele nos inspira. A ingênua crença na nossa
incomensurável sabedoria relativamente ao povo antolha-se-lhe grotesca e em muitas
ocasiões considera-a mesmo ofensiva.
E se, de
repente, o povo também se convencesse (se o não sabe, suspeita-o) de que podia
ensinar-nos alguma coisa, e nós, sem dar-lhe ouvidos, nem presumir semelhante
coisa, rindo-nos das suas ideias e acolhendo com arrogância as suas instruções!
E dizermos que o povo podia ensinar-nos muita coisa, quanto mais não fosse a
maneira de o instruirmos.”
Fiodor Dostoievski, in Diário de um Escritor
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