sábado, 24 de janeiro de 2015

Olho as minhas mãos

Olho as minhas mãos: elas só não são estranhas
Porque são minhas. Mas é tão esquisito distende-las
Assim, lentamente, como essas anêmonas do fundo do mar...
Fechá-las, de repente,
Os dedos como pétalas carnívoras!
Só apanho, porém, com elas, esse alimento impalpável do tempo,
Que me sustenta, e mata, e que vai secretando o pensamento como tecem as teias as aranhas.
A que mundo
Pertenço?
No mundo há pedras, baobás, panteras,
Águas cantarolantes, o vento ventando
E no alto as nuvens improvisando sem cessar.
Mas nada, disso tudo, diz: “existo”.
Porque apenas existem...
Enquanto isto,
O tempo engendra a morte, e a morte gera os deuses
E, cheios de esperança e medo,
Oficiamos rituais, inventamos
Palavras mágicas,
Fazemos
Poemas, pobres poemas
Que o vento
Mistura, confunde e dispersa no ar...
Nem na estrela do céu nem na estrela do mar
Foi este o fim da Criação!
Mas, então,
Quem urde eternamente a trama de tão velhos sonhos?
Quem faz – em mim – esta interrogação?
Mário Quintana

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