“Ser
feliz é uma responsabilidade muito grande. Pouca gente tem coragem. Tenho
coragem mas com um pouco de medo. Pessoa feliz é quem aceitou a morte. Quando
estou feliz demais, sinto uma angústia amordaçante: assusto-me. Sou tão
medrosa. Tenho medo de estar viva porque quem tem vida um dia morre. E o mundo
me violenta. Os instintos exigentes, a alma cruel, a crueza dos que não têm
pudor, as leis a obedecer, o assassinato — tudo isso me dá vertigem como há
pessoas que desmaiam ao ver sangue: o estudante de medicina com o rosto pálido
e os lábios brancos diante do primeiro cadáver a dissecar. Assusta-me quando
num relance vejo as entranhas do espírito dos outros. Ou quando caio sem querer
bem fundo dentro de mim e vejo o abismo interminável da eternidade, abismo
através do qual me comunico fantasmagórica com Deus.”
Clarice Lispector, in Um Sopro de Vida
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