quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

Como ler uma pintura

Bandeirinhas e mastros (década de 60), de Alfredo Volpi

Não projetar na tela os discursos prontos ou toda a erudição da história da arte. Você estaria vendo com olhos alheios, que poderiam induzi-lo a ver coisas de que a obra não fala e deixar de ver a própria obra. É preciso ver com olhos inocentes. Contudo, inocência não significa ignorância, mas ausência de preconceitos. A prender a ver é desvestir a alma.
Cada arte tem sua linguagem. A música fala através do som/silêncio; a pintura, através de cores, linhas e formas; o cinema, através da imagem-pensamento no tempo. A essa materialidade o artista – usando metáforas, paródias, alegorias – empresta uma transcendência. O resultado é o que chamamos forma artística. Entretanto, não existem regras para se ver um quadro.
A linguagem da pintura não se presta a argumentações. A pintura não é um enunciado científico, nem ideológico, nem moral. O que não impede, como vimos, que se preste a tudo isso, mas no sentido de funções secundárias.
Não se deve buscar uma única mensagem na pintura, pois a grande obra pode conter várias ou nenhuma. Mais do que denotativos (de conteúdo meramente informativo), os signos da pintura tendem para a conotação (ideias associadas, sugestão ao leitor de uma visão de mundo). É preciso entender que uma pintura pode revelar o inconsciente, seja do artista, seja de uma cultura, e que ela brota no limite entre real e imaginário. Do mesmo modo, é preciso entender que uma pintura só alcança o universal se estiver fundada no particular. O universal sem o particular é vazio. As bandeirinhas de Alfredo Volpi apresentam tanto a alma provinciana do habitante de uma cidadezinha do interior como a de qualquer indivíduo sensível. Partindo da expressão popular das formas naturais, alcança a sofisticada abstração de formas dos artistas de vanguarda. Por último, entender que arte não é tradução, não é espelho do artista ou da realidade. É construção e criação de signos novos, doadora de sentidos. É uma forma do ser.
Tomando-se esses cuidados, é possível ir em busca de informações dos estudiosos da arte, críticos, estetas e historiadores, compreendendo o que disseram da obra, ampliando a nossa percepção da própria obra. Entretanto, essas informações, embora valiosas, são sempre complementares. Importa, antes, ver a obra com empatia e com o próprio espírito. Claro que um espírito mais rico aprecia mais e experimenta um prazer mais profundo.
Maria José Justino, in Para filosofar

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