terça-feira, 4 de novembro de 2014

Um incidente na ponte de Owl Creek, de Ambrose Bierce


Um homem estava de pé sobre uma ponte férrea no Norte do Alabama, olhando para as águas que corriam ligeiras seis metros abaixo. Tinha as mãos às costas, os pulsos atados por uma corda. Outra corda fora enrolada em seu pescoço. Esta última estava amarrada a uma estaca sólida acima de sua cabeça e a ponta caía-lhe até a altura dos joelhos. Algumas tábuas soltas, colocadas sobre os dormentes que suportavam os trilhos da via férrea, sustentavam os pés do homem, assim como os de seus executores — dois paramilitares do Exército Confederado, liderados por um sargento que na vida civil talvez tivesse sido um sub-xerife. Sobre a mesma plataforma provisória, mas a uma certa distância, estava um oficial armado, com seu uniforme de graduado. Era um capitão. Em cada extremidade da ponte havia um sentinela segurando seu rifle em posição de "apoio", o que significa na vertical à frente do ombro esquerdo e com o cão apoiado ao antebraço atravessando o peito em diagonal — uma posição rígida e pouco natural, obrigando os soldados a permanecer numa postura muito ereta. Aparentemente, os dois não tinham obrigação de saber o que se passava no meio da ponte. Eles se limitavam a bloquear a passagem nas duas extremidades do caminho de pedestres que ladeava o pontilhão.
Para além de um dos sentinelas, não havia ninguém à vista. A linha férrea cruzava a floresta numa reta por quase cem metros, para em seguida desaparecer, numa curva. Com certeza havia um posto avançado mais adiante. A outra margem do rio era um campo aberto — uma colina suave, no alto da qual havia uma barricada feita com troncos de árvores, com seteiras para os rifles e um único canhoneiro do qual surgia a extremidade de um canhão de bronze, apontado para a ponte. Na metade da colina, entre a ponte e a fortaleza, estavam os espectadores — uma única companhia de infantaria perfilada, em posição de "descansar", a base dos rifles tocando o chão, os canos levemente inclinados para trás e apoiados ao ombro direito, as mãos cruzadas à frente das coronhas. Um tenente encontrava-se de pé à direita da fila, com a ponta de sua espada no chão e a mão esquerda repousando sobre a direita. Com exceção do grupo de quatro pessoas no centro do pontilhão, ninguém se movia. A companhia estava de frente para a ponte, observando-a na mais absoluta imobilidade. Os sentinelas, voltados para as margens do rio, poderiam ser confundidos com estátuas que adornassem o lugar. O capitão estava de braços cruzados, em silêncio, observando o trabalho de seus dois subordinados, mas sem fazer qualquer sinal. A morte é um dignitário que, ao ser anunciado, deve ser recebido com manifestações formais de respeito, mesmo entre aqueles que lhe são mais familiares. No código da etiqueta militar, o silêncio e a imobilidade eram formas de deferência.
O homem que estava para ser enforcado aparentava cerca de 35 anos. Era um civil, a julgar por suas roupas, que pareciam as de um fazendeiro. Tinha boa aparência — o nariz reto, a boca firme e uma testa larga de onde surgia o cabelo comprido e escuro, penteado para trás, passando por trás das orelhas e indo até o colarinho do casaco de trabalho, que lhe caía bem. Usava bigode e uma barba pontuda, mas sem costeletas. Os olhos eram grandes, cinza-escuros, com uma expressão gentil que dificilmente se poderia esperar de um homem cujo pescoço estivesse no laço de uma corda. Com toda certeza não era um assassino vulgar. O código militar, liberal, permite o enforcamento de toda sorte de indivíduos, e os cavalheiros não estão excluídos.
Assim que tudo estava pronto, os dois paramilitares, dando um passo para o lado, tiraram a tábua sobre a qual caminhavam. O sargento virou-se para o capitão, fez continência e colocou-se imediatamente atrás do oficial, que por sua vez afastou-se um passo. Tais movimentos deixaram o condenado e o sargento sozinhos de pé sobre as duas extremidades da mesma tábua, que se estendia por cima de três dos dormentes da linha férrea. A extremidade sobre a qual se encontrava o civil quase alcançava, mas não chegava a fazê-lo, um quarto dormente. Essa tábua estivera sendo mantida ali pelo peso do capitão. Agora, o que a mantinha ali era o peso do sargento. A um sinal do primeiro, este último daria um passo para o lado, a tábua daria um salto e o condenado despencaria pelo espaço entre os dormentes. O arranjo, por simples e efetivo, parecia confiável. O rosto do homem não estava encoberto, nem seus olhos vendados. Por um instante, ele olhou para o chão instável onde pisava e em seguida deixou que o olhar se perdesse na corrente d'água que passava lá embaixo, a toda velocidade. Uma tora de madeira boiando chamou sua atenção e seus olhos seguiram-na, rio abaixo. Parecia mover-se tão devagar, como se levada por águas indolentes...
Fechou os olhos tentando fixar os últimos pensamentos na mulher e nos filhos. A água, tingida de ouro pelos primeiros raios de sol, a bruma melancólica que recobria as margens rio abaixo, a fortaleza, os soldados, a tora de madeira — tudo distraía sua atenção. E agora ele se dava conta de alguma coisa nova, que surgia para perturbá-lo. Chocando-se com o pensamento de seus entes queridos, vinha um som que ele não conseguia nem identificar nem ignorar, um ruído agudo, nítido, metálico, como o som do martelo do ferreiro contra a bigorna. A ressonância era a mesma. O homem se perguntou o que seria aquilo e de onde vinha tal som, se de longe ou de perto — pois parecia as duas coisas ao mesmo tempo. Batia a intervalos regulares, mas num ritmo lento, como o dobrar dos sinos de Finados. Ele aguardava cada batida com impaciência e — sem que soubesse por quê — com apreensão. Os intervalos de silêncio pareciam cada vez maiores. E esses momentos de suspensão começavam a enlouquecê-lo. Embora cada vez mais espaçados, os sons cresciam em força e agudez. Feriam-lhe os ouvidos como a estocada de um punhal. Estava a ponto de gritar. O que ele ouvia era o tique-taque de seu relógio.
Abriu os olhos e viu novamente a água a seus pés. "Se eu pudesse soltar as mãos", pensou, "poderia afrouxar o laço e pular na água. Afundando, fugiria das balas e, nadando a toda velocidade, conseguiria chegar à margem, embrenhar-me na floresta e fugir para casa. Minha casa, graças a Deus, fica para além das linhas deles. Minha mulher e meus filhos estão na região que ainda não foi tomada pelos invasores.”
Enquanto esses pensamentos, aqui descritos em palavras, passavam pela cabeça do condenado, e mal acabavam de ser formulados, o capitão fez um sinal para o sargento. E o sargento deu um passo para o lado.
Texto completo aqui.

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