“Tornei-me um homem da multidão. Nunca confiei em
mim próprio o bastante para estar sozinho. Dia e noite caminhava lestamente
através das multidões, acotovelando, agarrando-me ansioso a quem pudesse.
Muitos pensavam que eu era ladrão. Mas comprimia o meu corpo contra o corpo dos
outros como uma criança se agarra à mãe durante uma tempestade. Procurava tapar
os olhos à minha consciência como uma criança procura não avistar o relâmpago;
esforçava-me por tapar os meus ouvidos mentais, como uma criança procura esconder-se
no regaço da mãe para não ouvir o som dos trovões. E se houvesse uma clareira
nessa multidão, apressava-me, corria, os braços esticados, ansioso pelo toque
do corpo de alguém, o meu próprio corpo ansioso pelo contato fugaz. E sempre,
sempre, entre a confusão e o ruído das passadas, tremia a ouvir esses passos
constantes, inexoráveis.”
Fernando
Pessoa - manuscrito, original em Inglês (1904-1908)
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