“Não, não sou romancista; sou um contista
de contos críticos. Meus romances e ciclos de romances são na realidade contos
nos quais se unem a ficção poética e a realidade. Sei que daí pode facilmente
nascer um filho ilegítimo, mas justamente o autor deve ter um aparelho de
controle: sua cabeça. Escrevo, e creio que este é o meu aparelho de controle: o
idioma português, tal como usamos no Brasil; entretanto, no fundo, enquanto vou
escrevendo, extraio de muitos outros idiomas. Disso resultam meus livros, escritos
em um idioma próprio, meu, e pode-se deduzir daí que não me submeto à tirania
da gramática e dos dicionários dos outros. A gramática e a chamada filosofia,
ciência linguística, foram inventadas pelos inimigos da poesia. Eu trazia
sempre os ouvidos atentos, escutava tudo o que podia e comecei a transformar em
lenda o ambiente que me rodeava, porque este, em sua essência, era e continua
sendo uma lenda. Instintivamente, fiz então o que era justo, o mesmo que mais
tarde eu faria deliberada e conscientemente: disse a mim mesmo que sobre o
sertão não se podia fazer literatura do tipo corrente, mas apenas escrever
lendas, contos, confissões. Não é necessário se aproximar da literatura
incondicionalmente pelo lado intelectual. Isto vem por si só, com o tempo, quando
o homem chega à sua maturidade, quando tudo nele se amalgama em uma
personalidade própria.”
Guimarães
Rosa
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