quinta-feira, 2 de outubro de 2014

Minha escrita: lendas, contos, confissões


“Não, não sou romancista; sou um contista de contos críticos. Meus romances e ciclos de romances são na realidade contos nos quais se unem a ficção poética e a realidade. Sei que daí pode facilmente nascer um filho ilegítimo, mas justamente o autor deve ter um aparelho de controle: sua cabeça. Escrevo, e creio que este é o meu aparelho de controle: o idioma português, tal como usamos no Brasil; entretanto, no fundo, enquanto vou escrevendo, extraio de muitos outros idiomas. Disso resultam meus livros, escritos em um idioma próprio, meu, e pode-se deduzir daí que não me submeto à tirania da gramática e dos dicionários dos outros. A gramática e a chamada filosofia, ciência linguística, foram inventadas pelos inimigos da poesia. Eu trazia sempre os ouvidos atentos, escutava tudo o que podia e comecei a transformar em lenda o ambiente que me rodeava, porque este, em sua essência, era e continua sendo uma lenda. Instintivamente, fiz então o que era justo, o mesmo que mais tarde eu faria deliberada e conscientemente: disse a mim mesmo que sobre o sertão não se podia fazer literatura do tipo corrente, mas apenas escrever lendas, contos, confissões. Não é necessário se aproximar da literatura incondicionalmente pelo lado intelectual. Isto vem por si só, com o tempo, quando o homem chega à sua maturidade, quando tudo nele se amalgama em uma personalidade própria.”
Guimarães Rosa

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