segunda-feira, 15 de setembro de 2014

Água e madeira


“Dentro dessa casa bêbada vivi uma espécie de vida entortada. Porque desde os meus primeiros anos fui muito parecida com minha mãe, e quase nada com meu pai ou com minha irmã mais velha. Minha mãe dizia que era porque éramos feitas do mesmo jeito, ela e eu – e na verdade tínhamos os mesmos olhos peculiares de um tipo que quase nunca se vê no Japão.  Em vez de serem castanho-escuros como os de todo mundo, os olhos de minha mãe eram de um cinza translúcido, e os meus são exatamente assim. Quando era muito pequena, eu disse à minha mãe que achava que alguém tinha feito um furo em seus olhos e a tinta escorrera, o que ela achou muito engraçado. As adivinhas diziam que seus olhos eram tão pálidos porque havia água demais em sua personalidade, tanta que os outros quatro elementos quase nem estavam presentes – e diziam que era por isso que seus traços combinavam tão mal. Muitas vezes os moradores da aldeia diziam que ela deveria ter saído extremamente atraente porque seus pais tinham sido. Bem, um pêssego tem um gosto delicioso e o cogumelo também, mas não se pode juntar os dois; era essa a terrível peça que a natureza lhe pregara. (…)
Minha mãe sempre dizia que se casara com meu pai porque havia água demais em sua própria personalidade e madeira demais na dele. Quem conhece meu pai entenderia o que ela estava dizendo. Água corre rapidamente de um lugar a outro e sempre encontram uma fenda onde se derramar. Madeira, por outro lado, prende-se rapidamente à terra.”
Arthur Golden, in Memórias de uma gueixa

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