“Dentro
dessa casa bêbada vivi uma espécie de vida entortada. Porque desde os
meus primeiros anos fui muito parecida com minha mãe, e quase nada com meu pai
ou com minha irmã mais velha. Minha mãe dizia que era porque éramos feitas do
mesmo jeito, ela e eu – e na verdade tínhamos os mesmos olhos peculiares de um
tipo que quase nunca se vê no Japão. Em vez de serem castanho-escuros
como os de todo mundo, os olhos de minha mãe eram de um cinza translúcido, e os
meus são exatamente assim. Quando era muito pequena, eu disse à minha mãe que
achava que alguém tinha feito um furo em seus olhos e a tinta escorrera, o que
ela achou muito engraçado. As adivinhas diziam que seus olhos eram tão pálidos
porque havia água demais em sua personalidade, tanta que os outros quatro
elementos quase nem estavam presentes – e diziam que era por isso que seus
traços combinavam tão mal. Muitas vezes os moradores da aldeia diziam que ela
deveria ter saído extremamente atraente porque seus pais tinham sido. Bem, um
pêssego tem um gosto delicioso e o cogumelo também, mas não se pode juntar os
dois; era essa a terrível peça que a natureza lhe pregara. (…)
Minha mãe sempre dizia que se casara com
meu pai porque havia água demais em sua própria personalidade e madeira demais
na dele. Quem conhece meu pai entenderia o que ela estava dizendo. Água corre
rapidamente de um lugar a outro e sempre encontram uma fenda onde se derramar.
Madeira, por outro lado, prende-se rapidamente à terra.”
Arthur
Golden, in Memórias de uma gueixa
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