Confusão. Sempre confusão. Espírito crítico de antologia
universal. Lado a lado todas as épocas, todas as escolas, todos os matizes.
Tudo embrulhado. Tudo errado. E tudo bom. Tudo ótimo. Tudo genial.
Olhem a mania nacional de classificar palavreado de literatura.
Tem adjetivos sonoros? É literatura. Os períodos rolam bonito? Literatura. O
final é pomposo? Literatura, nem se discute. Tem asneiras? Tem. Muitas? Santo
Deus. Mas são grandiloquentes? Se são. Pois então é literatura e da melhor.
Quer dizer alguma cousa? Nada. Rima, porém? Rima. Logo é literatura.
O Brasil é o único país de existência geograficamente provada
em que não ser literato é inferioridade. Toda gente se sente no dever
indeclinável de fazer literatura. Ao menos uma vez ao ano e para gasto doméstico.
E toda a gente pensa que fazer literatura é falar ou escrever bonito. Bonito
entre nós às vezes quer dizer difícil. Às vezes tolo. Quase sempre eloquente.
O cavalheiro que encerra a sua oração com um Na antiga Roma
ou como disse Barroso Na célebre batalha é orador. Orador, só? Não. Orador de
gênio. O cavalheiro que termina o seu soneto com um Ó sol! É raio! Ó luz! Ó
nume! Ó astro! É poeta. Também genial. E
assim por diante.
Só a gente se agarrando com Nossa Senhora da Aparecida. Essa falsa noção da genialidade brasileira é a mesma do Brasil, primeiro país no mundo. Não há cidadão perdido em São Luiz do Paraitinga ou São João do Rio do Peixe que não esteja convencido disso. E porque o Brasil é o campeão do universo e o brasileiro o batuta da terra, tudo quanto aqui nasce e existe há de ser forçosamente o que há de melhor neste mundo de Cristo e de nós também. Todos os adjetivos arrebatados e apoteóticos são poucos para tamanha grandeza e tamanha lindeza. Ninguém pode conosco. Nós somos os cueras mesmo.
Só a gente se agarrando com Nossa Senhora da Aparecida. Essa falsa noção da genialidade brasileira é a mesma do Brasil, primeiro país no mundo. Não há cidadão perdido em São Luiz do Paraitinga ou São João do Rio do Peixe que não esteja convencido disso. E porque o Brasil é o campeão do universo e o brasileiro o batuta da terra, tudo quanto aqui nasce e existe há de ser forçosamente o que há de melhor neste mundo de Cristo e de nós também. Todos os adjetivos arrebatados e apoteóticos são poucos para tamanha grandeza e tamanha lindeza. Ninguém pode conosco. Nós somos os cueras mesmo.
Qualquer coisinha assume aos nossos olhos de mestiços
tropicais proporções magnificentes, assustadoras, insuperáveis, nunca vistas. O
Brasil é o mundo. O resto é bobagem. Castro Alves bate Victor Hugo na curva. O
problema da circulação em São Paulo absorve todas as atenções estudiosas. Sem
nós a Sociedade das Nações Unidas dá em droga. Vocês vão ver. Wagner é canja
para Carlos Gomes. Em Berlim como em Sydney, em Leningrado como em Nagasaki só
temos admiradores invejosos. O universo inteiro nos contempla. Êta nós!
É por isso que seria excelente de vez em quando uma cartinha
como aquela de Remy de Gourmont a Figueiredo Pimentel. Um pouco de água gelada
nesta fervura auriverde. Para que o trouxa brasileiro caia na realidade. E
deixe-se dessa história de gênio, grandeza, importância e riquezas
incomparáveis que é bobagem.
E não é verdade.
Alcântara Machado, in Antologia
do humorismo e sátira
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