Depois do céu, tem outro
céu. Sem estrelas. Se você voar alto o bastante, uma hora sai da Via Láctea. As
estrelas vão ficar lá embaixo, confinadas em braços espirais. Mas ainda vai
existir um céu, e ele será pontilhado de galáxias. E depois desse céu, tem
outro céu. Sem galáxias.
É o que os telescópios
mostram. Para além das galáxias, o que existe é uma sopa de radiação. Um caldo
onipresente – que os astrônomos chamam de “radiação cósmica de fundo”. “De
fundo” porque permeia tudo o que dá para ver além do domínio das galáxias. Para
qualquer canto que você apontar um telescópio, essa radiação vai estar lá. Na
prática, elas formam as paredes do Universo. E foi nessas paredes que acabaram
de fazer uma das descobertas mais bonitas da história.
Essas paredes já eram
bem conhecidas. Elas são a maior evidência do Big Bang, e, de quebra, a maior
amostra de que o senso comum não entende o que realmente foi o Big Bang. Para
começar, a explosão que deu origem ao Universo não foi uma explosão. Ela AINDA
É uma explosão. O Big Bang continua big bangando, porque o Cosmos continua
expandindo. E cada vez mais rápido. Vivemos dentro de uma “explosão
controlada”. Mais importante: o Big Bang não aconteceu em algum lugar distante
nas profundezas do Cosmos. Ele aconteceu exatamente aí, onde você está agora. Ele aconteceu em
Guarulhos, em Júpiter e na sua testa. Ao mesmo tempo. É que, há 13,7 bilhões de
anos, tudo o que existe hoje, aqui, no céu, na Crimeia ou na sua cabeça, estava
espremido no mesmo ponto. E do lado de fora desse ponto não existia um “lado de
fora”. Não existia nada. Todo o espaço e tudo o que preenche o espaço estava
contido lá. Tudo mesmo: da energia que forma os átomos do seus cílios ao espaço
físico que separa São Paulo do Rio – ou a Via Láctea da Galáxia de Andrômeda.
Tudo bem apertado, numa quantidade de espaço que caberia na ponta de um
alfinete. O Big Bang foi a expansão dessa quantidade de espaço. E ainda é, já
que o espaço continua inflando como uma bexiga descomunal. Essa expansão, por
sinal, chegou a ter uma fase especialmente acelerada – um período de
trilionésimos de segundo que os astrônomos chamam de “inflação cósmica”. Para
localizar melhor: o Big Bang, estritamente falando, foi o momento em que o
Universo saiu do nada para virar algo do tamanho de uma partícula subatômica.
Depois desse pequeno passo, veio o grande salto: a inflação cósmica. Foi aí que
o Universo deixou de ser uma partícula e virou algo parecido com isso que a
gente vê à noite pela janela (ainda sem estrelas, ou átomos, ou luz, mas ainda
assim algo grande). Essa puberdade cósmica passou rápido. Uma fração de
trilionésimo de segundo e já era: o ritmo da expansão voltou ao normal. Mas a
inflação deixou rastros, resquícios daquele tempo especial, em que o Universo
era uma partícula subatômica.
Foi um desses rastros
que o time do astrônomo John M. Kovac, do Centro de Astrofísica
Harvard-Smithsonian, encontrou no céu do Polo Sul. Eles perceberam “rachaduras”
nas paredes do Universo. Ondas, na verdade, permeando a radiação cósmica de
fundo.
E aí que está a beleza
da coisa. Por causa do seguinte: a ciência sabe que as forças da natureza
se manifestam em forma de ondas. O eletromagnetismo, a que mantém os ímãs
presos na geladeira e que faz sua mão doer se você dá um soco na mesa (graças à
repulsão eletromagnética entre os átomos da sua mão e os da mesa), é feito de
ondas. Ondas eletromagnéticas. Outras duas forças, menos nobres, também são
feitas de ondas: a nuclear forte, que mantém os quarks unidos na forma de
prótons, e a nuclear fraca, a mais figurante de todas, que age na periferia dos
átomos. É o que a física quântica provou ao longo do século 20. Mas ficou um
buraco nessa história. Ninguém nunca tinha encontrado as ondas que deveriam
formar a força mais popular das quatro que existem: a gravidade.
Agora
encontraram. É que, se existem ondas visíveis nas paredes do Universo, como os
caras do Polo Sul viram, elas devem ser ondas gravitacionais. E provavelmente
geradas pela violência da inflação cósmica – dá para imaginá-las como
cicatrizes daquele crescimento fulminante. Para todos os efeitos, são fósseis
vivos da adolescência tumultuada do Cosmos, marcas do tempo em que o Universo
era uma só partícula. E elas também servem para lembrar a gente de algo mais
profundo: de que somos tão parte disso tudo quanto na época em que estávamos
todos juntos, ali, naquela ponta de alfinete. Não somos meros observadores do
que acontece no Universo. Somos o próprio Universo.
Alexandre Versignassi,
in revista Superinteressante
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