Pouco
a pouco o ferro do proprietário queimava os bichos de Fabiano. E quando não
tinha mais nada para vender, o sertanejo endividava-se. Ao chegar a partilha,
estava encalacrado, e na hora das contas davam-lhe uma ninharia.
Ora, daquela vez, como das outras,
Fabiano ajustou o gado, arrependeu-se, enfim deixou a transação meio apalavrada
e foi consultar a mulher. Sinhá Vitória mandou os meninos para o barreiro,
sentou-se na cozinha, concentrou-se, distribuiu no chão sementes de várias
espécies, realizou somas e diminuições. No dia seguinte Fabiano voltou à
cidade, mas ao fechar o negócio notou que as operações de Sinhá Vitória, como
de costume, diferiam das do patrão. Reclamou e obteve a explicação habitual: a
diferença era proveniente de juros.
Não
se conformou: devia haver engano. Ele era bruto, sim senhor, via-se
perfeitamente que era bruto, mas a mulher tinha miolo. Com certeza havia um
erro no papel do branco. Não se descobriu o erro, e Fabiano perdeu os estribos.
Passar a vida inteira assim no toco, entregando o que era dele de mão beijada!
Estava direito aquilo? Trabalhar como negro e nunca arranjar carta de alforria!
O patrão zangou-se, repeliu a insolência,
achou bom que o vaqueiro fosse procurar serviço noutra fazenda.
Aí Fabiano baixou a pancada e amunhecou.
Bem, bem. Não era preciso barulho não. Se havia dito palavra à toa, pedia
desculpa. Era bruto, não fora ensinado. Atrevimento não tinha, conhecia o seu
lugar. Um cabra. Ia lá puxar questão com gente rica? Bruto, sim senhor, mas
sabia respeitar os homens. Devia ser ignorância da mulher, provavelmente devia
ser ignorância da mulher. Até estranhara as contas dela. Enfim, como não sabia
ler (um bruto, sim senhor), acreditara na sua velha. Mas pedia desculpa e
jurava não cair noutra.
O amo abrandou, e Fabiano sai de costas,
o chapéu varrendo o tijolo. Na porta, virando-se, enganchou as rosetas das
esporas, afastou-se tropeçando, os sapatões de couro cru batendo no chão como
cascos.
Foi até a esquina, parou, tomou fôlego. Não
deviam trata-lo assim. Dirigiu-se ao quadro lentamente. Diante da bodega de seu
Inácio virou o rosto e fez uma curva larga. Depois que acontecera aquela
miséria, temia passar ali. Sentou-se numa calçada, tirou do bolso o dinheiro,
examinou-o, procurando adivinhar quanto lhe tinham furtado. Não podia dizer em
voz alta que aquilo era um furto, mas era. Tomavam-lhe o gado quase de graça e
ainda inventavam juro. Que juro! O que havia era safadeza.
-
Ladroeira.
Nem
lhe permitiam queixas. Porque reclamara, achara a coisa uma exorbitância, o
branco se levantara furioso, com quatro pedras na mão. Para que tanto
espalhafato?
- Hum! Hum!
Graciliano Ramos, in Vidas Secas
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