domingo, 13 de abril de 2014

Amor e morte (capítulo XXVII)


Um dia, entrou inesperadamente Pereira e achou-a toda lacrimosa.
Vinha sereno, mas com ar decidido.
— Que tem você, menina, perguntou ele, meio termo, de alguns dias para cá?
Inocência escolheu-se toda como uma pombinha que se sente agarrar.
Puxou-a brandamente o pai e fê-la sentar no seu colo.
— Vamos, que isto, Nocência? Porque se socou assim no quarto? Manecão lá fora a toda a hora está perguntando pôr você... isto não é bonito... É, ou não, o seu noivo?
Redobraram as lágrimas.
Mulher não atira-se à cara dos homens... mas também é bom não se canhar assim... É de enjoada... Um marido quase, como ele já é...
De repente o pranto de Inocência cessou.
Desvencilhou-se dos braços do pai, e, de pé diante dele, encarou-o com resolução:
— Papai sabe porque tudo isto?
— Sim...
— É porque eu... não devo...
— Não devo o que?
—Casar.
Arregalou Pereira os olhos e de espanto abriu a boca.
— Quê? perguntou elevando muito a voz...
Compreendeu a pobrezinha que a luta ia travar-se. Era chegado o momento.
Revestiu-se de toda coragem.
— Sim, meu pai. este casamento não deve fazer-se...
— Você está doida? observou Pereira com fingida tranqüilidade.
Prosseguiu então Inocência com muita rapidez, as faces incendiadas de rubor:
— Conto-lhe tudo papai... Não me queira mal... Foi um sonho... O outro dia, antes de Manecão chegar, estava seteando e tive um sonho... Neste sonho, ouviu, papai? minha mãe vinha descendo do céu... Coitada! estava tão branca que metia pena... Vinha bem limpa com um vestido todo azul...leve, leve!
— Sua mãe? balbuciou Pereira tomado de ligeiro assombro.
—Nhor-sim, ela mesma...
— Mas você não a conheceu! Morreu, quando você era pequetita...
— Não faz nada, continuou Inocência, logo vi que era minha mãe... Olhava para mim tão amorosa!... Perguntou-me: Cadê seu pai? Respondi com medo: Está na roça; quer mecê, que ele venha? — Não, me disse ela, não é preciso; diga-lhe a ele que eu vim até cá, para não deixar Manecão casar com você, porque há-de-ser infeliz...muito! ...muito!...
— E depois? perguntou Pereira levantando a cabeça com ar sombrio, girando os olhos.
— Depois... disse mais... Se esse homem casar com você, uma grande desgraça há-de entrar... nesta casa que foi minha e onde não haverá mais sossego. Bote seu pai sentido nisso. E sem mais palavra, sumiu-se como uma luz que se apaga.
Cravou Pereira olhar inquiridor na filha.
Uma suspeita-lhe atravessou o espírito.
— Que sinal tinha sua mãe no rosto?
Inocência empalideceu.
Levando ambas as mãos à cabeça e prorrompendo em ruidoso pranto, exclamou:
— Não sei... eu estou mentindo... Isto tudo é mentira! É mentira! Não vi minha mãe!... Perdão, minha mãe, perdão!
E caindo de bruços sobre a cama, ficou imóvel com os cabelos esparsos pelas espáduas.
Contemplou-a Pereira largo tempo, sem saber que pensar, que dizer.
Súbito inclinou sobre o corpo da filha e ao ouvido lhe segredou com muita energia:
 Nocência, daqui bocadinho Manecão chega da roça... Você há de ir para a sala... se não fizer boa cara, eu a mato.
E erguendo a voz:
— Ouviu? Eu a mato!... Quero antes vê-la morta, estendida, do que... a casa de um mineiro desonrada...
Às pressas saiu do quarto, deixando Inocência na mesma posição.
Pois bem murmurou ela, já que é preciso... morra eu?
Visconde de Taunay, in Inocência

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