sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

“Jesus Cristo Superstar” fez mais por Jesus do que os grupos religiosos que querem proibir o musical

Ele
O ator Igor Rickli no papel de JC

Como diz o nosso querido Bertrand Russell, o problema do mundo é que os idiotas são cheios de certezas e os sábios cheios de dúvidas.
Grupos religiosos querem proibir “Jesus Cristo Superstar” no Brasil. A Associação Devotos de Fátima criou uma petição online exigindo que a ministra da Cultura, Marta Suplicy, “cancele esse espetáculo blasfemo, sacrílego, grotesco e pecaminoso!”
“Tenho certeza de que a senhora jamais daria dinheiro a alguém que estivesse preparando uma violência contra o senhor seu pai ou algum de seus entes queridos. Mas eu me sinto assim quando vejo os cartazes anunciando esse espetáculo de horror, com os dizeres ‘promovido pelo Ministério da Cultura’”, afirmam os autores da moção.
Também lhes incomodou o fato de o narrador da peça ser Judas Iscariotes; a sugestão de uma relação “indecente” com Maria Madalena; e JC se apresentar vestindo calça jeans.
Não vou me estender no resto do blablablá intolerante, rastaquera e biruta, mas a verdade é que a ópera-rock de Tim Rice e Andrew Lloyd Weber fez mais, provavelmente, pelo Senhor do que essas milícias medievais.
Desde a estreia na Broadway, em 1970, e depois no West End, de Londres, sempre foi um sucesso. Faturou mais de 120 milhões de dólares com montagens em mais de 40 países. A trilha sonora original vendeu mais de 7 milhões de cópias (Ian Gillan, antes de virar vocalista do Deep Purple, fazia a voz do filho de Deus). As pressões de fundamentalistas também não são novas (na África do Sul e na Bielorussia, houve banimento, aliás).
Em 1973, virou um filme dirigido por Norman Jewison. É, como todo musical, uma chatice, mas tem grandes momentos (o tema e a linda canção “Everything’s Alright”, entre outros). Uma leitura meio hippie da “maior história de todos os tempos”. Tim Rice disse que não via Cristo como Deus, mas “simplesmente como o homem certo no lugar certo”. Perto de “A Última Tentação de Cristo”, é um passeio no parque.
É útil para a causa. Mais útil do que o Padre Marcelo dando pulinhos aos domingos. Um clérigo viu isso: Nick Baines, bispo anglicano de Bradford, na Inglaterra.
Em 2012, quando a peça foi adaptada para a TV por lá, houve uma grita. Baines escreveu um belo artigo no jornal The Telegraph em que se apegava principalmente a uma passagem fundamental do texto, quando Judas pergunta “Quem você pensa que é?” ao mestre.
“Um musical pode atingir partes de nós que um sermão não pode, uma boa melodia toma conta da imaginação e permanece em nossa mente. Da mesma forma, as questões levantadas no musical podem atingir as pessoas que não têm intenção de ouvir um sermão ou ler sobre teologia”, escreveu. “Os cristãos se queixam de que é difícil capturar a imaginação (e a atenção) de muita gente — e no entanto, na peça, isso é oferecido como a cabeça de João Batista, num prato”.
Uma nova geração, acredita Baines, tem a oportunidade de estabelecer contato com as perguntas dos evangelhos. “Eles podem falar de Jesus num bar e em outros locais cheios de pessoas que não encontram seu caminho na igreja. Os seguidores de Jesus não eram os santos de plástico que vemos em vitrais com auréolas em torno da cabeça. Eram pessoas normais que se esforçaram para entender Jesus, frequentemente do lado errado da fronteira teológica. Estas eram pessoas reais – esse é o ponto”.
A obra, diz Baines, é um olhar para Jesus através dos questionamentos de Judas, o personagem mais intrigante das narrativas evangélicas.
“Assim como Jesus se envolveu com gente real no mundo real, ‘Jesus Cristo Superstar’ pode levar uma audiência improvável a se comunicar com ele. Pode até fazer com que um público que pensa que sabe tudo sobre ele dê mais uma olhada. Afinal de contas, os evangelhos desafiam seriamente aqueles com preconceitos arraigados a respeito de Deus a pensar duas vezes”.
Amém.
Kiko Nogueira, in www.diariodocentrodomundo.com.br

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