O ator Igor Rickli no papel de JC
Como
diz o nosso querido Bertrand Russell, o problema do mundo é que os idiotas são
cheios de certezas e os sábios cheios de dúvidas.
Grupos religiosos querem proibir “Jesus
Cristo Superstar” no Brasil. A Associação Devotos de Fátima criou uma petição
online exigindo que a ministra da Cultura, Marta Suplicy, “cancele esse
espetáculo blasfemo, sacrílego, grotesco e pecaminoso!”
“Tenho certeza de que a senhora jamais
daria dinheiro a alguém que estivesse preparando uma violência contra o senhor
seu pai ou algum de seus entes queridos. Mas eu me sinto assim quando vejo os
cartazes anunciando esse espetáculo de horror, com os dizeres ‘promovido pelo
Ministério da Cultura’”, afirmam os autores da moção.
Também lhes incomodou o fato de o
narrador da peça ser Judas Iscariotes; a sugestão de uma relação “indecente”
com Maria Madalena; e JC se apresentar vestindo calça jeans.
Não vou me estender no resto do blablablá
intolerante, rastaquera e biruta, mas a verdade é que a ópera-rock de Tim Rice
e Andrew Lloyd Weber fez mais, provavelmente, pelo Senhor do que essas milícias
medievais.
Desde a estreia na Broadway, em 1970, e
depois no West End, de Londres, sempre foi um sucesso. Faturou mais de 120
milhões de dólares com montagens em mais de 40 países. A trilha sonora original
vendeu mais de 7 milhões de cópias (Ian Gillan, antes de virar vocalista do
Deep Purple, fazia a voz do filho de Deus). As pressões de fundamentalistas
também não são novas (na África do Sul e na Bielorussia, houve banimento,
aliás).
Em 1973, virou um filme dirigido por
Norman Jewison. É, como todo musical, uma chatice, mas tem grandes
momentos (o tema e a linda canção “Everything’s Alright”, entre outros). Uma
leitura meio hippie da “maior história de todos os tempos”. Tim Rice disse que
não via Cristo como Deus, mas “simplesmente como o homem certo no lugar certo”.
Perto de “A Última Tentação de Cristo”, é um passeio no parque.
É útil para a causa. Mais útil do que o
Padre Marcelo dando pulinhos aos domingos. Um clérigo viu isso: Nick
Baines, bispo anglicano de Bradford, na Inglaterra.
Em 2012, quando a peça foi adaptada para
a TV por lá, houve uma grita. Baines escreveu um belo artigo no jornal The
Telegraph em que se apegava principalmente a uma passagem fundamental do texto,
quando Judas pergunta “Quem você pensa que é?” ao mestre.
“Um musical pode atingir partes de nós
que um sermão não pode, uma boa melodia toma conta da imaginação e permanece em
nossa mente. Da mesma forma, as questões levantadas no musical podem atingir as
pessoas que não têm intenção de ouvir um sermão ou ler sobre teologia”,
escreveu. “Os cristãos se queixam de que é difícil capturar a imaginação (e a
atenção) de muita gente — e no entanto, na peça, isso é oferecido como a cabeça
de João Batista, num prato”.
Uma nova geração, acredita Baines, tem a
oportunidade de estabelecer contato com as perguntas dos evangelhos. “Eles
podem falar de Jesus num bar e em outros locais cheios de pessoas que não
encontram seu caminho na igreja. Os seguidores de Jesus não eram os santos
de plástico que vemos em vitrais com auréolas em torno da cabeça. Eram pessoas
normais que se esforçaram para entender Jesus, frequentemente do lado errado da
fronteira teológica. Estas eram pessoas reais – esse é o ponto”.
A obra, diz Baines, é um olhar para Jesus
através dos questionamentos de Judas, o personagem mais intrigante das
narrativas evangélicas.
“Assim como Jesus se envolveu com gente
real no mundo real, ‘Jesus Cristo Superstar’ pode levar uma audiência
improvável a se comunicar com ele. Pode até fazer com que um público que pensa
que sabe tudo sobre ele dê mais uma olhada. Afinal de contas, os evangelhos
desafiam seriamente aqueles com preconceitos arraigados a respeito de Deus a
pensar duas vezes”.
Amém.
Kiko
Nogueira, in
www.diariodocentrodomundo.com.br
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