Meizinha,
suvaco, adijutoro, rapariga, disculhambação, cabra besta, gaiudo, gabarolice,
catá coquinho, vacuá e tantas outras falas, são não apenas o linguajar da roça
vivido pelo matuto. Há um grande universo envolvendo tudo isso.
Traduzir
a coragem e a persistência – às vezes, até por ter consciência da impossível
solução para apenas um problema – do matuto, aquele que realmente produz
riqueza pela força do trabalho na agricultura e afins, é algo muito difícil.
Madrugar
– acordar e levantar, quando o dia começa a clarear – é não apenas uma
necessidade. É um hábito. Ao escutar o galo cantar, a vaca mugir ou o berro dos
cabritos, é rotina. É o despertador, na roça – para os abastados, na “fazenda”.
Era
assim, em Queimadas – povoado de Pacajus, no Ceará – quando o sol avermelhava
os céus mostrando um colorido encorajador para Raimunda Buretama e os netos.
Muitos netos.
-
Levante meu fii, se arrexe e vamos buscar água prumode fazê o dicumê!
Caminhar
12 Kms (6 de ida e 6 de volta) pelas veredas para apanhar uma cabaça d´água,
não era coisa que uma criança entrando na adolescência gostasse de fazer. Mas,
era preciso fazer. Tinha que acontecer. Eram duas caminhadas, o que acabava
significando 24 Kms por dia – “apenas para buscar água” – para uma casa de 9
moradores. O banho ficava para a segunda viagem ou, no fim da tarde na garupa
do jumento do avô.
Cinco,
seis e até sete anos fazendo isso. Chovesse ou fizesse sol. E aqui fazemos uma
parada para uma indagação – será que a água tem importância para uma família
dessas? Será que a transposição do São Francisco vai significar alguma coisa
para várias famílias que vivem esse dilema?
Em
casa, o pote sobre a trempe. Coador de morim amarrado na boca para evitar a
passagem de gravetos ou de martelos na água de beber. Ferver a água, nunca. A
água só fervia quando era colocada no fogo na lata de fazer café, já com um
pedaço de rapadura.
Nos
raros invernos, uma terrina de cimento servia como cisterna da água da chuva
aparada na canaleta feita do sabiá (mimosa
caesalpiniaefolia), uma madeira de grande aproveitamento no interior, serve
para aplacar a sede dos caprinos, das galinhas e outros animais domésticos
criados para o abate e consumo da família.
Nos
anos 50, 60, e meados de 70, nenhuma residência do interior do estado tinha
água tratada e canalizada – e isso significava dizer, que esgoto ninguém
conhecia naquelas paragens.
Hoje,
acreditamos, tudo é diferente. Já não se caminha mais 24 Kms e a cabaça e o
pote foram praticamente abolidos, embora as casas permaneçam quase sempre as
mesmas: paredes de estuque, chão batido, fogão a lenha e portas fechadas com
tramelas, apesar da crescente e preocupante violência urbana.
E
dá uma saudade danada da caminhada diária de 24 Kms. Dá uma saudade danada do
bom, da ingenuidade, da coisa boa e, principalmente, da união e da unidade
familiar – coisa que a tecnologia trouxe junto com a evolução.
Felizmente, ainda é comum, nos povoados
do interior, a “roça familiar” – batata doce, macaxeira, feijão, maxixe,
quiabo, tomate, coentro, cebolinha verde e, nas Queimadas os primos e filhos
dos primos nunca deixaram de preservar as moitas de mofumbo, arbusto preparado
para a reprodução dos capotes – galinha d´angola.
José
de Oliveira Ramos, in
www.bestafubana.com.br
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