“Ninguém é feliz quando treme pela sua felicidade.
Não se apoia em bases sólidas quem tira a sua satisfação de bens exteriores,
pois acabará por perder o bem-estar que obteve. Pelo contrário, um bem que
nasce dentro de nós é permanente e constante, e vai sempre crescendo até ao
nosso último momento; todos os demais bens ante os quais se extasia o vulgo são
bens efêmeros. 'E então? Quer isso dizer que são inúteis e não podem dar
satisfação?' É evidente que não, mas apenas se tais bens estiverem na
nossa dependência, e não nós na dependência deles. Tudo quanto cai sob a alçada
da fortuna pode ser proveitoso e agradável na condição de o seu beneficiário
ser senhor de si próprio em vez de ser servo das suas propriedades. É um erro
pensar-se, Lucílio, que a fortuna nos concede o que quer que seja de bom ou de
mau; ela apenas dá a matéria com que se faz o bom e o mau, dá-nos o material de
coisas que, nas nossas mãos, se transformam em boas ou más.
O nosso
espírito é mais poderoso do que toda a espécie de fortuna, ele é quem conduz a
nossa vida no bom ou no mau sentido, é nele que está a causa de nós sermos
felizes ou desgraçados. Um homem mau faz tudo redundar em mal, mesmo quando
aparentemente as coisas se apresentavam excelentes; um espírito justo e íntegro
sabe corrigir os erros da fortuna, sabe, pela sua mesma sabedoria, temperar as
ocorrências adversas e difíceis de suportar; um tal espírito é capaz de acolher
a felicidade com gratidão e temperança, de enfrentar a adversidade com firmeza
e coragem. Imaginemos um homem experiente, que não faz nada sem ter analisado
totalmente a questão, que nunca tenta nada que esteja acima das suas forças:
tal homem nunca alcançará aquele supremo e completo bem acima de todas as
contingências se não se sentir seguro em face da insegurança. Se observares os
outros (já que costumamos ser melhores juízes em causa alheia), ou se te
analisares a ti próprio sem parcialidade, serás forçado a admitir que aqueles
bens que tens por desejáveis e preciosos te serão inúteis se previamente não te
preparares para a falibilidade do acaso e do condicionalismo que o acompanha.”
Sêneca, in Cartas
a Lucílio
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