Uma revista espanhola teve a ideia de
pedir a uns quantos escritores que elaborassem a sua árvore genealógica
literária, isto é, a que outros autores consideravam eles como avoengos seus, diretos
ou indiretos, excluindo-se do inventado parentesco, obviamente, qualquer
presunção de relações ou equivalências de mérito que a realidade, pelo menos no
meu caso, logo se encarregaria de desmentir. Também se pedia que, em
brevíssimas palavras, fosse dada a justificação dessa espécie de adoção ao
contrário, em que era o ‘descendente’ a escolher o ‘ascendente’. A cada
escritor consultado foi entregue o desenho de uma árvore com onze molduras
dispersas pelos diferentes ramos, onde suponho que hão-de vir a aparecer os
retratos dos autores escolhidos. A minha lista, com a respectiva fundamentação,
foi esta: Luís de Camões, porque, como escrevi no ‘Ano da Morte de
Ricardo Reis’, todos os caminhos portugueses a ele vão dar; Padre
Antônio Vieira, porque a língua portuguesa nunca foi mais bela que
quando ele a escreveu; Cervantes, porque sem ele a
Península Ibérica seria uma casa sem telhado; Montaigne, porque não precisou de
Freud para saber quem era; Voltaire, porque perdeu as ilusões
sobre a humanidade e sobreviveu a isso; Raul Brandão, porque demonstrou que
não é preciso ser-se gênio para escrever um livro genial, o ‘Húmus’; Fernando
Pessoa, porque a porta por onde se chega a ele é a porta por onde se
chega a Portugal; Kafka, porque provou que o homem é um coleóptero; Eça
de Queiroz, porque ensinou a ironia aos portugueses; Jorge
Luis Borges, porque inventou a literatura virtual; Gogol, porque contemplou
a vida humana e achou-a triste.
José
Saramago, in Cadernos de Lanzarote (1996)
Nenhum comentário:
Postar um comentário