Mulher
gamada é fogo. Elas, quando se vidram e se amarram num homem, são capazes de
fazer das tripas coração pra defender seus interesses. Uma mulher apaixonada se
transforma dos pés à cabeça. Se é classuda, cai da panca e, sem vacilar apronta
os maiores salseiros. Se é acanhada, endoida e não regateia pra fazer um
escândalo. Esse lance de que a mulher mesmo muito ligada num homem e tal e
coisa, se enruste e se fecha em copas porque tem categoria é papo furado.
Mulher que deixa o amor no barato não está toda na parada. Que nada! Às vezes,
está por solidão, por simpatia, por conveniência e os cambaus. Nunca por gama.
É isso. Não tem erro. Sou eu que afirmo, e de mulher eu entendo. Mas deixa isso
de lado. O que quero contar e o que pesa na balança é a história da Dilma
Fuleira e da Celeste Bicuda, duas flores da Barra do Catimbó que se unharam e
se dentaram por amor ao Ariovaldo Piolho, um vagau de pouca presença física,
mas de muita embaixada. Ele lidava com seu rebanho com mil e um macetes e, por
essas e outras, sempre foi muito considerado pelo mulherio. É verdade que esse
perereco se deu nas quebradas do mundaréu, onde o vento encosta o lixo e as
pragas botam os ovos, mas, se acontecesse nos salões da mais fina gente da
sociedade, não me causava nenhum espanto. Mulher é mulher em qualquer lugar.
Mestre Zagaia, velho cabo-de-esquadra que navegou sem bandeira por muita água
barrenta e que bateu perna à toa pelos caminhos mais escamosos, esquisitos e
estreitos do roçado do bom Deus, viu quizilas de assombrar negos de patuá
forte, embrulhou sua solidão em muito lençol encardido e escancarou nas
Tabuadas das Candongas uma dica sobre o assunto:
—
Depois dos panos arriados, o espetáculo é sempre o mesmo.
E,
se Mestre Zagaia falou, tá falado. Mulher é sempre mulher. E a Dilma Fuleira e
a Celeste Bicuda também são, embora à primeira vista não pareçam. Sabe como é.
Elas nasceram lesadas da sorte e só pegaram a pior. Bagulho catado no chão da
feira nunca fez bem à beleza de ninguém.
Porém
(e sempre tem um porém), não foi a condição de bagulho que impediu que elas
tivessem grandes ilusões a respeito de amor. E o galã dos sonhos das duas era,
como já disse, o Ariovaldo Piolho. Esse vagau se serviu das duas sem a mínima
cerimônia. Foi ali na base do agrião. Como as duas estavam a fim dele, o danado
negociou. Fez valer a velha e tinhosa lei da oferta e da procura. Se fingia de
morto e esperava pra ver quem comparecia no seu enterro.
Como
quem não quer nada, pegava a grana na mão da Dilma, cumpria a obrigação e ia
buscar os pixulés com a Celeste. E se o dinheiro compensava, não deixava ela em
falta. Até que o caldo engrossou.
Bateu
sujeira. O doutor delerusca resolveu acabar com o pesqueiro das piranhas e a
Dilma Fuleira e a Celeste Bicuda se viram no papo-de-aranha. Escaparam da cana,
mas o faturamento caiu às pamparras. E, no meio disso tudo, o Ariovaldo Piolho
sentiu o aroma da perpétua. Vagau escolado por muitos anos de janela é sempre
cem por cento profissional. Sem pagório, deixou as mulheres na saudade. E se
deu o esquinapo.
A
Dilma Fuleira achou que o Piolho não queria nada com ela porque estava enredado
pela Celeste Bicuda. Procurou a rival e, sem conversa, deu-lhe uma tremenda
biaba. A Celeste Bicuda era encardida. Encarou, mas não deu nem pra saída. A
Dilma Fuleira era gordona e alta. A Celeste, baixinha e só pele e osso. Teve
que apanhar e correr. Porém, como não era de engolir nada enrolado, a Celeste
Bicuda tramou a forra. Foi na macumba levar o nome da Dilma Fuleira pra sua
mãe-de-santo enterrar no cemitério. Feita a façanha, a Celeste Bicuda se botou
a boquejar nos botecos. Garantia pra quem duvidasse que a Dilma Fuleira ia
murchar até morrer. E não faltou fuxiqueiro pra ir rapidinho envenenar a Dilma.
E ela, que já estava atolada até o gogó no pântano, acreditou que a bananosa
toda que curtia era devido à mandinga da Celeste. Se picou de raiva e jurou
pela luz que a iluminava que ia pegar a inimiga e dar pancada até ela
desenterrar seu nome. E foi pra guerra.
A
Dilma encontrou a Celeste no seu barraco e nem pediu licença. Entrou na força
bruta e foi botando pra quebrar. De repente, a Celeste Bicuda deu uns gritos,
uns pulos pro alto e, quando desceu, era uma fera batusquela. Passou a mão numa
enxada e tocou o bumba-meu-boi no lombo da Dilma, que se viu obrigada a dar
pinote. Mas a Celeste foi na captura e derrubou o barraco da Dilma a enxadada.
Em desespero e apavorada com a fúria da Celeste Bicuda, a Dilma se refugiou na
casa do Piolho. A Celeste não tomou conhecimento. Aliás, ainda ficou mais
endoidada de ver a rival junto do homem da sua gama. Aumentou o escarcéu.
O Ariovaldo, sem se afobar saiu de
fininho e chamou a polícia. A cana chegou e ferrou a Celeste e a Dilma. No
Distrito, a Celeste falou que não tinha nada com a briga. Foi o exu da sua
crença que encarnou nela pra acabar com a Dilma. A Dilma, de zoeira, entregou
tudo como era. Disse pro doutor que a bronca era por causa do Piolho, que
estava na fita como testemunha. O delegado quis saber se o Piolho tinha
emprego. Não tinha. Entrou em pua e as mulheres foram dispensadas. Mas
continuam pelejando por amor. Uma visita o vagau às quartas-feiras; a outra,
aos domingos. E todas as duas levam o santo dinheirinho de presente pro
Ariovaldo Piolho, o bom amante.
Plínio
Marcos, in Histórias das quebradas do mundaréu
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