“Quando me manifestei com tanto ardor contra a
opinião, estava ainda sob o seu jugo, sem me aperceber. Queremos ser estimados
pelas pessoas que estimamos e, enquanto pude julgar favoravelmente os homens,
ou pelo menos certos homens, os juízos que eles faziam a meu respeito não me
podiam ser indiferentes. Via que os juízos do público são muitas vezes justos;
mas não via que essa justiça resultava do acaso, que as regras sobre as quais
os homens fundamentam as suas opiniões são extraídas apenas das suas paixões ou
dos seus preconceitos, que provêm deles, e que, mesmo quando ajuízam bem, é
frequente que esses bons juízos nasçam de um mau princípio, como acontece
quando fingem honrar, a propósito de algum sucesso, o mérito de um homem, não
por espírito de justiça, mas para se dar ares de imparcialidade, ao mesmo tempo
que caluniam à vontade esse homem relativamente a outros pontos.
Quando, porém,
após longas e vãs pesquisas, vi que todos eles, sem exceção, se mantinham
dentro do sistema mais iniquo e absurdo que um espírito infernal pode inventar;
quando vi que, a meu respeito, a razão fora banida de todas as cabeças e a
justiça de todos os corações; quando vi uma geração frenética entregar-se
totalmente à fúria cega dos seus guias contra um infortunado que nunca fez, nem
quis, causar mal a ninguém; quando, após ter em vão procurado um homem, fui
obrigado a apagar a minha lanterna e a exclamar; já não os há; comecei então a
ver-me sozinho na terra e compreendi que os meus contemporâneos eram, em
relação a mim, nada mais do que seres mecânicos que não agiam senão levados
pelo impulso e cuja ação eu só podia calcular pelas leis do movimento. Fosse
qual fosse a intenção, a paixão que eu tivesse admitido existir nas suas almas,
jamais teriam explicado a sua conduta para comigo, de forma que eu pudesse
entender. Foi por isso que as suas disposições interiores passaram a não
significar nada para mim; passei a não ver neles mais do que massas que se
movimentam de diferentes maneiras, desprovidas, a meu respeito, de qualquer
moralidade.”
Jean-Jacques Rousseau, in Os Devaneios do Caminhante Solitário
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