Imagem: Google
Miguel,
um apanhador de lixo da prefeitura, escutou pela televisão que, para a grande
festa que iriam dar no palácio, estariam todos convidados: do gari ao
presidente da república. Disse então à mulher que lhe preparasse a farda de
gari, um macacão amarelo-cenoura, pois ele também iria a essa festa.
No
dia, no entanto, foi barrado, porque era obrigatório estar de terno. Miguel,
arrasado, ficou ali sem acreditar no que diziam. Foi então que observou, no
estacionamento em frente, vários carros oficiais com os seus motoristas, alguns
deles cochilando, à espera dos chefes que já se divertiam na festa.
Miguel
aproximou-se e, encontrando entre eles um velho amigo, contou-lhe o seu
infortúnio, dizendo-se convidado, mas barrado pela falta de um terno. Foi aí
que lhes veio a ideia.
Daí
a instantes, lá estava Miguel na festa metido no terno e nos sapatos, folgados,
do motorista. Mas, para emprestá-los, o amigo exigiu uma condição: que os
devolvesse antes da meia-noite, quando o chefe e a esposa voltariam para o
carro.
Miguel
ficou tão apalermado na suntuosa festa que esqueceu a hora e só quando soaram
as primeiras batidas da meia-noite foi que lembrou e correu precipitado escada
abaixo. Na pressa, um pé do sapato frouxo escapuliu e ficou no degrau.
Logo
descia pela mesma escada o casal que o motorista esperava. A mulher, vendo
aquele sapato, estranhou-o ali.
Na
rua, junto à porta aberta do carro, já metido no terno, mas disfarçando o pé
descalço, o motorista aguardava os patrões, preocupado.
Adiante,
no seu macacão amarelo-cenoura, atrás de uma árvore, Miguel espreitava o casal,
esperando que fosse embora de vez a fim de resgatar o pé do sapato, que acabou
esquecendo, deslumbrado com a visão daquela bela mulher.
Ela
vinha radiosa, com um vestido branco transparente, intrigada com o sapato
abandonado na escada.
Na
rua, perguntou ao motorista de quem era aquilo e como fora parar ali. O
motorista, sacudindo os ombros, respondeu que não sabia de nada.
O
gari, escondido, vendo-a tão bonita, foi tomado de louca paixão por ela.
No dia seguinte, além de comprar em
prestações um par de sapatos novos para o amigo, não tirava a imagem da mulher
da cabeça. Dizem que até hoje, sem esquecê-la, recolhe o lixo das casas e
pergunta por arte de quem teve a infeliz ideia de ir àquela festa.
Arlete
Nogueira da Cruz, in Contos inocentes
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