quinta-feira, 10 de outubro de 2013

As muitas vidas de Paulo Leminski


Caso fosse negro norte-americano, Cruz e Sousa teria inventado o blues. Sendo brasileiro, restou-lhe a poesia simbolista – e o sonho. Matsuó Bashô foi monge budista, nascido samurai. Botou em prática, no haikai, a fé que alimentou sua alma durante cinquenta anos. Jesus veio para exagerar a pureza da doutrina de Moisés e Trótski pertence às exterioridades solares da história. Isso nas palavras de Paulo Leminski, escritor curitibano que além do romance e da poesia, também se dedicou à produção de pequenas biografias, publicadas no início da década de 80, pela Editora Brasiliense, numa coleção chamada Encanto Radical.
O poeta morreu em 1989, mas não sem antes expressar o seu desejo em reunir as quatro biografias sob um único título, Vida – o que aconteceria postumamente, em 1990. Hoje (27/10), mais de vinte anos desde o seu lançamento original, o livro volta a circular pelas livrarias do país, em reedição da Companhia das Letras. “O livro estava fora de catálogo há anos, e algumas das biografias, desaparecidas, como a de Bashô. Agora que surgiu todo esse interesse em torno de Leminski, a reedição abre a possibilidade de os fãs se aproximarem de outros lados do poeta, de seu trabalho como biógrafo, como tradutor”, afirma Sofia Mariutti, responsável pela edição da obra.
Quando concluía seus estudos sobre Trótski, em 1985, Leminski escreve: “A vida se manifesta, de repente, sob a forma de Trótski, ou de Bashô, ou de Cruz e Sousa ou de Jesus. Quero homenagear a vida em todos esses momentos”. O crítico literário Manoel Ricardo de Lima afirma que o autor enxergava, nesse quadrado de personagens, o que ele acreditava ser o modo de manifestação da vida. “Os quatro são posicionados radicalmente contra algo que mais atinge o homem moderno: o dinheiro. Parece que a escolha de Leminski vem um pouco daí. Essas quatro figuras surgem contra o capital”, considera Manoel. “No entanto, acredito que essas biografias nunca foram lidas dessa forma.”
Do poeta japonês errante e inventor do haikai a uma das principais figuras da revolução bolchevique, de 1917, parece haver uma espécie de identificação entre sujeito e objeto. É como se Leminski tentasse construir um auto-retrato por meio de seus biografados. De acordo com Manoel, assim como Cruz e Sousa, poeta simbolista negro que viveu num Brasil branco e parnasiano do final do século XIX, Leminski era filho de mãe negra e pai polaco – mestiço como o simbolista, adotado pelo senhor da casa grande, de quem herdou o “Sousa”. A tradição zen presente na figura de Bashô se reflete na força das comunidades nipônicas de sua cidade natal, Curitiba, e em sua própria personalidade – era faixa preta de judô. Durante a juventude, envolveu-se com as questões políticas da Revolução Russa e via em Jesus a imagem do criador de um socialismo utópico. “Essas escolhas tem a ver com ele, passam por ele. É praticamente uma simbiose”, diz Manoel.
Matéria completa da Revista Cult aqui.

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