Caso fosse negro
norte-americano, Cruz e Sousa teria inventado o blues. Sendo brasileiro,
restou-lhe a poesia simbolista – e o sonho. Matsuó Bashô foi monge budista,
nascido samurai. Botou em prática, no haikai, a fé que alimentou sua alma
durante cinquenta anos. Jesus veio para exagerar a pureza da doutrina de Moisés
e Trótski pertence às exterioridades solares da história. Isso nas palavras de
Paulo Leminski, escritor curitibano que além do romance e da poesia, também se
dedicou à produção de pequenas biografias, publicadas no início da década de
80, pela Editora Brasiliense, numa coleção chamada Encanto Radical.
O poeta morreu em
1989, mas não sem antes expressar o seu desejo em reunir as quatro biografias
sob um único título, Vida – o que aconteceria postumamente, em 1990.
Hoje (27/10), mais de vinte anos desde o seu lançamento original, o livro volta
a circular pelas livrarias do país, em reedição da Companhia das Letras. “O
livro estava fora de catálogo há anos, e algumas das biografias, desaparecidas,
como a de Bashô. Agora que surgiu todo esse interesse em torno de Leminski, a
reedição abre a possibilidade de os fãs se aproximarem de outros lados do
poeta, de seu trabalho como biógrafo, como tradutor”, afirma Sofia Mariutti, responsável
pela edição da obra.
Quando concluía
seus estudos sobre Trótski, em 1985, Leminski escreve: “A vida se manifesta, de
repente, sob a forma de Trótski, ou de Bashô, ou de Cruz e Sousa ou de Jesus.
Quero homenagear a vida em todos esses momentos”. O crítico literário Manoel
Ricardo de Lima afirma que o autor enxergava, nesse quadrado de personagens, o
que ele acreditava ser o modo de manifestação da vida. “Os quatro são
posicionados radicalmente contra algo que mais atinge o homem moderno: o
dinheiro. Parece que a escolha de Leminski vem um pouco daí. Essas quatro
figuras surgem contra o capital”, considera Manoel. “No entanto, acredito que
essas biografias nunca foram lidas dessa forma.”
Do poeta japonês errante e inventor do
haikai a uma das principais figuras da revolução bolchevique, de 1917, parece
haver uma espécie de identificação entre sujeito e objeto. É como se Leminski
tentasse construir um auto-retrato por meio de seus biografados. De acordo com
Manoel, assim como Cruz e Sousa, poeta simbolista negro que viveu num Brasil
branco e parnasiano do final do século XIX, Leminski era filho de mãe negra e
pai polaco – mestiço como o simbolista, adotado pelo senhor da casa grande, de
quem herdou o “Sousa”. A tradição zen presente na figura de Bashô se reflete na
força das comunidades nipônicas de sua cidade natal, Curitiba, e em sua própria
personalidade – era faixa preta de judô. Durante a juventude, envolveu-se com
as questões políticas da Revolução Russa e via em Jesus a imagem do criador de
um socialismo utópico. “Essas escolhas tem a ver com ele, passam por ele. É
praticamente uma simbiose”, diz Manoel.
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