João
Brandão pergunta, propõe e decreta:
Se
há o Dia dos Namorados, por que não haver o Dia dos Amorosos, o Dia dos
Amadores, o Dia dos Amantes? Com todo o fogo desta última palavra, que circula
entre o carnal e o sublime?
E
o Dia dos Amantes Exemplares e o Dia dos Amantes Platônicos, que também são
exemplares à sua maneira, e dizem até que mais?Por que não instituir, ó psicólogos, ó sociólogos, ó lojistas e publicitários,
o Dia do Amor?
O
Dia de Fazê-lo, o Dia de Agradecer-lhe, o de Meditá-lo em tudo que encerra de
mistério e grandeza, o Dia de Amá-lo? Pois o Amor se desperdiça ou é
incompreendido até por aqueles que amam e não sabem, pobrezinhos, como é
essencial amar o Amor. E mais o Dia do Amor Tranquilo, tão raro e vestido de
linho alvo, o Dia do Amor Violento, o Dia do Amor Que Não Ousava Dizer o Seu
Nome Mas Agora Ousa, na arrebentação geral do século?
Amor
Complicado pede o seu Dia, não para tornar-se pedestre, mas para requintar em
sua complicação cheia de voos fora do horário e da visibilidade. Amor à
Primeira Vista, o fulminante, bem que gostava de ter o seu, cortado de
relâmpagos. E há motivos de sobra para se estabelecer o Dia do Amor ao Próximo,
e o Próximo somos nós, quando nos esquecemos de nós mesmos, abjurando o
enfezadíssimo Amor-Próprio.
Depressa,
amigos criadores de Dias, criai o do Amor Livre, entendido como tal o que
desata as correntes do interesse imediato, da discriminação racial e económica,
ri das divisões políticas, das crenças separatórias, e planta o seu estandarte
no cimo da cordilheira mais alta. Livre até no impulso egoístico da
correspondência geométrica. Amor que nem a si mesmo se escraviza, na total
doação que é converter-se no alvo, pois lá diz o que sabe: “Transforma-se o
amador na coisa amada.”
Haja
também um Dia para o Amor Não Correspondido, em que ele se console e crie
alento para perseverar, se esta é a sua condição fatal, melhor direi, a sua
graça. Pois todo Amor tem o seu ponto de luz, que às vezes se confunde com a
sombra.
O
Amor Impossível, exatamente por sua impossibilidade, merece a compensação de um
Dia. Concederemos outro ao Amor Perfeito, que não precisa de mais, mergulhado
que está na eternidade, a mover os sóis, independentemente da astrofísica. Ao
Amor Imperfeito, síntese muito humana de tantos, retrato mal copiado do modelo
divino, igualmente, se consagre um Dia generoso.
Amor
à Glória não carece ter Dia, nem Amor ao Dinheiro e seu primo (ou irmão) Amor
ao Poder. Eles se satisfazem, o primeiro com uma bolha de sabão, os outros dois
com a mesa posta. Mas ao Amor faminto e sem talher, e ao que nenhuma iguaria
lhe satisfaz, porque sua fome vai além dos alimentos e é a fome em si, a
ansiosa procura do que não existe nem pode existir: um Dia para cada um.
E se mais Dias sobrarem, que sejam
reservados para os Amores de que não me lembro no momento mas certamente
existem, pois sendo o Amor infinito em sua finitude, isto é, fugindo ao tempo
no tempo, e multiplicando-se em invenções, sutilezas, desvarios, enigmas e tudo
mais, sempre haverá um Amor novo no sujeito amante, dentro do Amor que nele
pousou e que cada manhã nasce outra vez, de sorte que o mesmo Amor é cada dia
Outro sem deixar de ser o Antigo, e são muitos outros concentrados e não
compendiados na potencialidade de amar. Assim sendo, recomendo e requeiro e
decreto que todos os dias do ano sejam Dias do Amor, e não mais disso ou
daquilo, como erradamente se convencionou e precisa ser corrigido. Tenho dito.
Cumpra-se.
Carlos
Drummond de Andrade, in O Poder Ultrajovem
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