O primeiro azar do Lauro foi, logo na
chamada anamnese, não saber se era segunda ou terça-feira. Como de costume, seguiu-se
à pergunta sobre a data a outra pergunta imbecil: “E quem é o Presidente da
República?” Provavelmente desconcertado pela falta de lógica do interrogatório, o Lauro titubeou e foi descrito
como desorientado no tempo e no espaço. O segundo azar foi dizer que não
trabalhava em lugar nenhum. Costuma ficar em casa, estudando violino. Nenhum palavrão
do mundo teria causado mal-estar semelhante ao provocado pela palavra violino. Foi
acrescentada na ficha o termo apragmático.
Esses foram azares menores. Questionado a respeito de suas lembranças,
entusiasmou-se e descreveu, sem interrupções, durante cerca de uma hora, as
quermesses de sua terra natal. Foi uma descrição de grande beleza, feita com
muito carinho e sensibilidade. O que não impediu – melhor dizendo, provocou, em
sua ficha, a observação “verborragia intensa”. Depois da alta, Lauro apareceu
um dia no hospital e convidou um dos médicos do serviço para jantar em sua
residência. Na noite escolhida, apresentou o médico a seus familiares, serviu
um jantar impecável feito por ele mesmo, dissertou sobre vinhos e para
finalizar, homenageou o visitante com um trecho de Bach. Ao violino.
Aldir
Blanc, in Rua dos artistas e arredores
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