quarta-feira, 4 de setembro de 2013

Histórias da loucura – Lauro

O primeiro azar do Lauro foi, logo na chamada anamnese, não saber se era segunda ou terça-feira. Como de costume, seguiu-se à pergunta sobre a data a outra pergunta imbecil: “E quem é o Presidente da República?” Provavelmente desconcertado pela falta de lógica do interrogatório, o Lauro titubeou e foi descrito como desorientado no tempo e no espaço. O segundo azar foi dizer que não trabalhava em lugar nenhum. Costuma ficar em casa, estudando violino. Nenhum palavrão do mundo teria causado mal-estar semelhante ao provocado pela palavra violino. Foi acrescentada na ficha o termo apragmático. Esses foram azares menores. Questionado a respeito de suas lembranças, entusiasmou-se e descreveu, sem interrupções, durante cerca de uma hora, as quermesses de sua terra natal. Foi uma descrição de grande beleza, feita com muito carinho e sensibilidade. O que não impediu – melhor dizendo, provocou, em sua ficha, a observação “verborragia intensa”. Depois da alta, Lauro apareceu um dia no hospital e convidou um dos médicos do serviço para jantar em sua residência. Na noite escolhida, apresentou o médico a seus familiares, serviu um jantar impecável feito por ele mesmo, dissertou sobre vinhos e para finalizar, homenageou o visitante com um trecho de Bach. Ao violino.
Aldir Blanc, in Rua dos artistas e arredores

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