“Sois vós um daqueles a quem se chama feliz? Pois
bem, vós estais tristes todos os dias. Cada dia tem uma grande amargura e um
pequeno cuidado. Ontem tremíeis pela saúde de alguém que vos é caro, hoje
receais pela vossa; amanhã será uma inquietação de dinheiro, depois a diatribe
de um caluniador ou a infelicidade de um amigo, mais tarde o mau tempo que faz,
qualquer coisa que se quebrou ou se perdeu, uma vez um prazer que a vossa
consciência e a coluna vertebral reprovam, outra vez a marcha dos negócios
públicos. Isto sem contar as penas de coração. E assim sucessivamente. Uma
nuvem que se dissipa e outra que se forma logo. Apenas um dia em cem de plena
felicidade e cheio de sol. E sois desse pequeno número que é feliz! Quanto aos
outros homens, envolve-os a noite estagnante.
Os espíritos refletidos usam pouco desta locução:
os felizes e os infelizes. Neste mundo, evidentemente vestíbulo de outro, não
há felizes.
A verdadeira divisão humana é esta: os iluminados e
os tenebrosos.
Diminuir o número dos tenebrosos e aumentar o dos
iluminados, eis o fim. É por isso que nós gritamos: ensino, ciência! Aprender a
ler, é alumiar com fogo; toda a sílaba soletrada cintila.
De resto, quem diz luz não diz, necessariamente,
alegria. Também se sofre com a luz; em demasia queima. A chama é inimiga da
asa. Queimar-se sem deixar de voar, é o prodígio do gênio.
Quando conhecerdes
e quando amardes, sofrereis ainda. O dia nasce em lágrimas. Os iluminados
choram quando mais não seja sobre os tenebrosos.”
Victor Hugo, in Os Miseráveis
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