Os dois eram
grandes amigos. Amigos de infância. Amigos de adolescência. Amigos de primeiras
aventuras. Amigos de se verem todos os dias. Até mais ou menos os 25 anos. Aí,
por uma destas coisas da vida – e como a vida tem coisas! – passaram muitos
anos sem se ver. Até que um dia.
Um dia se
cruzaram na rua. Um ia numa direção, o outro na outra. Os dois se olharam, caminharam
mais alguns passos e se viraram ao mesmo tempo, como se fosse coreografado.
Tinham-se reconhecido.
-Eu não
acredito!
-Não pode ser!
Caíram um nos
braços do outro. Foi um abraço demorado e emocionado. Deram-se tantos tapas nas
costas quantos tinham sido os anos de separação.
-Deixa eu te
ver!
-Estamos aí.
-Mas você está
careca!
-Pois é.
-E aquele bom
cabelo?
-Se foi...
-Aquela
cabeleira.
-Muito
Gumex...
-Fazia um
sucesso.
-Pois é.
-Era cabeleira
pra derrubar suburbana.
-Muitas
sucumbiram...
-Puxa. Deixa
eu ver atrás.
Ele se virou
para mostrar a careca atrás. O outro exclamou:
-Completamente
careca!
-E você?
-Espera aí. O
cabelo está todo aqui. Um pouco grisalho, mas firme.
-E essa
barriga?
-O que é que a
gente vai fazer?
-Boa vida...
-Mais ou
menos...
-Uma senhora
barriga.
-Nem tanto.
Aposto que
futebol, com essa barriga...
-Nunca mais.
-E você era
bom, hein? Um bolão.
-O que é isso!
-Agora tá com
a bola na barriga.
-Você também.
-Barriga, eu?
-Quase do
tamanho da minha.
-O que é isso?
-Respeitável.
-Quem te dera
um corpo como o meu.
-Mas eu estou
com todo o cabelo.
-Estou vendo
umas entradas aí.
-O seu só teve
saída.
Ele se dobra
de rir com a própria piada. O outro muda de assunto.
-Fazem o que? Vinte
anos?
-Vinte e
cinco. No mínimo.
-Você mudou um
bocado.
-Você também.
-Você acha?
-Careca...
-De novo a
careca? Mas é fixação.
-Desculpe,
eu...
-Esquece a
minha careca.
-Não sabia que
você tinha complexo.
-Não tenho
complexo. Mas não precisa ficar falando só na careca, só na careca. Eu estou
falando nessa barriga indecente? Nessas rugas?
-Que rugas?
-Ora, que
rugas.
-Não. Que rugas?
-Meu Deus, sua
cara está que é um cotovelo.
-Espera um
pouquinho...
-E essa
barriga? Você não se cuida não?
-Me cuido mais
que você.
-Eu faço
ginástica, meu caro. Corro todos os dias. Tenho saúde de cavalo.
-É. Só falta a
crina.
-Pelo menos
não tenho barriga de baiana.
-E isso o que
é?
-Não me
cutuca.
-Me diz. O que
é? Enchimento?
-Não me
cutuca!
-E esses
óculos são pra quê? Vista cansada? Eu não uso óculos.
-É por isso
que está vendo barriga onde não tem.
-Claro, claro.
Vai ver você tem cabelo e eu é que não estou enxergando.
-Cabelo outra
vez! Mas isso já é obsessão. Eu, se fosse você, procurava um médico.
-Vá você, que
está precisando. Se bem que velhice não tem cura.
-Quem é que é
velho?
-Ora, faça-me
o favor...
-Você.
-Você.
-Você!
-Ruína humana.
-Ruína não.
-Ruína!
-Múmia!
-Ah, é? Ah, é?
-Cacareco! Ou
será cacareca?
-Saia da minha
frente!
Separaram-se,
furiosos. Inimigos para o resto da vida.
Luís Fernando Veríssimo, in A
velhinha de Taubaté
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