“Na verdade, encontramos desde as origens da história
humana estas duas formas de comportamento, a simbólica e a inequívoca. O ponto
de vista do inequívoco é a lei do pensamento e da ação despertos, que domina
quer uma conclusão irrefutável da lógica quer o cérebro de um chantagista que
pressiona passo a passo a sua vítima, uma lei que resulta das necessidades da
vida, às quais sucumbiríamos se não fosse possível dar uma forma inequívoca às
coisas. O símbolo, por seu lado, é a articulação de ideias próprias do sonho, é
a lógica deslizante da alma, a que corresponde o parentesco das coisas nas
intuições da arte e da religião; mas também tudo o que na vida existe de
vulgares inclinações e aversões, de concordância e repulsa, de admiração,
submissão, liderança, imitação e seus contrários, todas estas relações do homem
consigo e com a natureza, que ainda não são puramente objetivas e talvez nunca
venham a sê-lo, só podem ser entendidas em termos simbólicos.
Aquilo a que
se chama a humanidade superior mais não é, com certeza, do que a tentativa de
fundir estas duas metades da vida, a do símbolo e a da verdade, cuidadosamente
separadas antes. Mas quando separamos num símbolo tudo aquilo que talvez possa
ser verdadeiro do que é apenas espuma, o que acontece geralmente é que se ganha
um pouco de verdade, mas se destrói todo o valor que o símbolo tinha. Por isso,
talvez esta separação tenha sido inevitável na evolução do espírito, mas
produziu o efeito que se obtém quando se ferve uma substância para engrossá-la
e, ao fazê-lo, provocamos a evaporação do que nela existe de mais intrínseco.
Hoje é quase impossível não ter a impressão de que os conceitos e as regras da
vida moral são apenas símbolos recozidos, envoltos nos insuportáveis e
gordurosos vapores da cozinha da humanidade”.
Robert Musil, in O Homem sem Qualidades
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