"Não
se move a roda, sem que a parte que virou para o céu seja maior repuxo para
tocar na terra, e a parte que se viu no ar erguida se veja logo da mesma terra
pisada, sem outro impulso para descer, mais que com o mesmo movimento com que
subiu; por isso a fortuna fez trono da sua mesma roda, porque, como na figura
esférica se não conhece nela primeiro nem último lugar, nas felicidades andam
sempre em confusão as venturas. Na dita com que se sobe, vai sempre entalhado o
risco com que se desce. Não há estrela no céu que mais prognostique a ruína de
um grande, que o levantar de sua estrela. Mais depressa se move aos afagos da
grandeza que nos lisonjeia, do que aos desfavores com que a fortuna nos abate.
Quanto trabalharam os homens para subir,
tantas foram as diligências que fizeram para se arruinarem; porque, como a
fortuna (falo com os que não são beneméritos) não costuma subir a ninguém por
seus degraus, em faltando degraus para a descida, tudo hão-de ser precipícios;
e diferem muito entre si o descer e o cair. Se perguntarmos o porquê caiu Roma,
o maior império do Mundo, dir-nos-á seu historiador que foi porque cresceu
muito; e com efeito acabou de grande, e as mesmas mãos que a edificaram, essas
mesmas a desfizeram. Sem mãos se arruinou aquela estátua de Nabuco, porque a
mesma grandeza não necessita de mãos, mas só de si para se arruinar. Em um
monte de glória onde assistiu Cristo, se formaram estas glórias dos raios do
Sol e da brancura da neve, para que, desfazendo-se a neve com o sol, se
desfizessem umas glórias com outras; porque não depende a grandeza, para a
ruína, mais que de si mesma, e quando falte quem as acabe, elas mesmas se
consomem."
Padre
Antônio Vieira, in As Sete Propriedades da Alma
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