A
função da música popular não é apenas ser um elemento de entretenimento fugaz
como acontece hoje em dia com os "sucessos" fabricados a cada
instante pelas gravadoras e divulgados pela grande mídia. Nos tempos de hoje o
que mais se vê são canções com tiradas poéticas de tirar o fôlego de qualquer
pessoa que tenha um pouco mais de sensibilidade e senso de ridículo. As letras
de nossas canções atuais, diga-se de passagens, há exceções, são de um
primarismo terrível, absolutamente medíocres, o que de certo modo retrata o
pouco caso dado a esse componente fundamental na realização da obra musical,
ou, e esse é o problema que mais nos preocupa, o baixo nível de escolarização
de nossos atuais compositores, se é que podemos assim chamá-los.
A
situação é tão desesperadora que nos parece que a crise sócio/econômica que
passa o país atingiu parâmetros estarrecedores na área cultural e reflete nos
baixos índices de avaliação educacional que são divulgados a todo instante.
Ora, é muito mais fácil escrever qualquer bobagem e conquistar fama e dinheiro
do que esquentar o precioso tempo em bancos escolares. Em nome da
"cultura", criamos um país de iletrados, em prol do sucesso,
destruímos os mais elementares sinais de respeito à língua portuguesa. Mas de
que adianta ficar reclamando, afinal de contas, esse estado de coisas esta tão
disseminado que qualquer atitude contrária será logo recebida como reacionária
e elitista, que assim seja, não me importo, pois pelo menos me dou o direito de
estabelecer um nível de discernimento que me imuniza contra essa proliferação
inculta e deletéria em que se envolveu a nossa tão bela e rica música popular,
mas antes que alguém diga que isso sempre existiu, que o discurso é velho e
datado, devo dizer que nunca e em nenhum período de nossa história musical,
chegamos aos níveis de mediocridade quanto aos que nos encontramos nos dias
atuais. Viva o Axé sertanejo pagodeiro!
Deixemos,
contudo, esses conceitos que não irar mudar o quadro existente e vamos falar de
Música Popular Brasileira, assim mesmo com as iniciais em maiúsculas,
verdadeira, poética, culturalmente correta, eterna, linda e terna. Existem
muitos aspectos em nossa canção popular que precisam ser estudados com mais
atenção, um deles é sua inclusão em teatro, cinema ou televisão, compondo
trilhas de peças, filmes e em alguns casos isolados e antigos, de algumas
telenovelas, quando essas tinham por objetivo maior um trabalho de arte/cultura
mais elaborado onde as trilhas sonoras era uma parte fundamental.
Um
dos momentos mais brilhantes de nosso teatro deu-se com a estreia em 25 de
janeiro de 1956 no Teatro Nacional do Rio de Janeiro da peça Orfeu da
Conceição, escrita por Vinícius de Moraes, com músicas de Tom Jobim e cenários
de Oscar Niemeyer. A História baseava-se na tragédia grega do mito Orfeu,
músico da Trácia e cuja lira tinha o poder de encantar os animais numa perfeita
comunhão do homem com a natureza. Adaptada para a ambientação de uma favela
carioca onde não faltavam os elementos associativos do carnaval e das escolas
de samba, o protagonista Orfeu, que a todos fascinava, iria se envolver com
Eurídice, sua bem amada e após a sua morte iria buscá-la mergulhado num misto
de trevas e paixão tentando resgatá-la para si.
O
sucesso da peça foi muito grande e protagonizado por atores negros como Haroldo
Costa (Orfeu), Lea Garcia (Mira) e Dirce Paiva (Eurídice). Aproveitando o
momento a Odeon lançou um LP com a sua trilha sonora contendo a belíssima Valsa
de Eurídice, de Vinicius de Moraes em arranjo instrumental e as suas canções
com Tom Jobim, Um nome de mulher; Mulher, sempre mulher; Eu e o meu amor;
Lamento do morro e a inesquecível Se todos fossem iguais a você. O disco ainda
traz o Monólogo de Orfeu, declamado por Vinicius. A orquestração e os arranjos
foram feitos por Tom Jobim, as canções interpretadas por Roberto Paiva e o
acompanhamento de violão por Luiz Bonfá.
Um
disco histórico responsável pela união primeira de dois gigantes, Tom e
Vinicius, que com sua arte souberam extrair momentos eternos de nossa canção
popular, cujos frutos iriam desembocar na Bossa Nova e depois com a trajetória
individual de cada um, onde a poesia e a música iriam encontrar um pouso seguro
e os nossos ouvidos seriam respeitados em sua dignidade.
Luiz
Américo Lisboa Junior,
in www.luizamerico.com.br
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