sábado, 1 de junho de 2013

Um disco fundamental da MPB: Orfeu da Conceição (1956)


A função da música popular não é apenas ser um elemento de entretenimento fugaz como acontece hoje em dia com os "sucessos" fabricados a cada instante pelas gravadoras e divulgados pela grande mídia. Nos tempos de hoje o que mais se vê são canções com tiradas poéticas de tirar o fôlego de qualquer pessoa que tenha um pouco mais de sensibilidade e senso de ridículo. As letras de nossas canções atuais, diga-se de passagens, há exceções, são de um primarismo terrível, absolutamente medíocres, o que de certo modo retrata o pouco caso dado a esse componente fundamental na realização da obra musical, ou, e esse é o problema que mais nos preocupa, o baixo nível de escolarização de nossos atuais compositores, se é que podemos assim chamá-los.
A situação é tão desesperadora que nos parece que a crise sócio/econômica que passa o país atingiu parâmetros estarrecedores na área cultural e reflete nos baixos índices de avaliação educacional que são divulgados a todo instante. Ora, é muito mais fácil escrever qualquer bobagem e conquistar fama e dinheiro do que esquentar o precioso tempo em bancos escolares. Em nome da "cultura", criamos um país de iletrados, em prol do sucesso, destruímos os mais elementares sinais de respeito à língua portuguesa. Mas de que adianta ficar reclamando, afinal de contas, esse estado de coisas esta tão disseminado que qualquer atitude contrária será logo recebida como reacionária e elitista, que assim seja, não me importo, pois pelo menos me dou o direito de estabelecer um nível de discernimento que me imuniza contra essa proliferação inculta e deletéria em que se envolveu a nossa tão bela e rica música popular, mas antes que alguém diga que isso sempre existiu, que o discurso é velho e datado, devo dizer que nunca e em nenhum período de nossa história musical, chegamos aos níveis de mediocridade quanto aos que nos encontramos nos dias atuais. Viva o Axé sertanejo pagodeiro!
Deixemos, contudo, esses conceitos que não irar mudar o quadro existente e vamos falar de Música Popular Brasileira, assim mesmo com as iniciais em maiúsculas, verdadeira, poética, culturalmente correta, eterna, linda e terna. Existem muitos aspectos em nossa canção popular que precisam ser estudados com mais atenção, um deles é sua inclusão em teatro, cinema ou televisão, compondo trilhas de peças, filmes e em alguns casos isolados e antigos, de algumas telenovelas, quando essas tinham por objetivo maior um trabalho de arte/cultura mais elaborado onde as trilhas sonoras era uma parte fundamental.
Um dos momentos mais brilhantes de nosso teatro deu-se com a estreia em 25 de janeiro de 1956 no Teatro Nacional do Rio de Janeiro da peça Orfeu da Conceição, escrita por Vinícius de Moraes, com músicas de Tom Jobim e cenários de Oscar Niemeyer. A História baseava-se na tragédia grega do mito Orfeu, músico da Trácia e cuja lira tinha o poder de encantar os animais numa perfeita comunhão do homem com a natureza. Adaptada para a ambientação de uma favela carioca onde não faltavam os elementos associativos do carnaval e das escolas de samba, o protagonista Orfeu, que a todos fascinava, iria se envolver com Eurídice, sua bem amada e após a sua morte iria buscá-la mergulhado num misto de trevas e paixão tentando resgatá-la para si.
O sucesso da peça foi muito grande e protagonizado por atores negros como Haroldo Costa (Orfeu), Lea Garcia (Mira) e Dirce Paiva (Eurídice). Aproveitando o momento a Odeon lançou um LP com a sua trilha sonora contendo a belíssima Valsa de Eurídice, de Vinicius de Moraes em arranjo instrumental e as suas canções com Tom Jobim, Um nome de mulher; Mulher, sempre mulher; Eu e o meu amor; Lamento do morro e a inesquecível Se todos fossem iguais a você. O disco ainda traz o Monólogo de Orfeu, declamado por Vinicius. A orquestração e os arranjos foram feitos por Tom Jobim, as canções interpretadas por Roberto Paiva e o acompanhamento de violão por Luiz Bonfá.
 Um disco histórico responsável pela união primeira de dois gigantes, Tom e Vinicius, que com sua arte souberam extrair momentos eternos de nossa canção popular, cujos frutos iriam desembocar na Bossa Nova e depois com a trajetória individual de cada um, onde a poesia e a música iriam encontrar um pouso seguro e os nossos ouvidos seriam respeitados em sua dignidade.
Luiz Américo Lisboa Junior, in www.luizamerico.com.br

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