“Estou disposto a fazer
tudo por ti; mas, filho, dize-me uma a uma todas as tuas necessidades, pois
desejo ser o intermediário entre tua alma e Deus, com o fim de suavizar teus
males.”
Assim começa a oração Cinco minutos diante de Santo Antônio,
encontrada na camisa de Mineirinho, um dos bandidos mais procurados pela
polícia carioca na década de 1960. José Miranda Rosa ganhou essa alcunha,
naturalmente, por ter nascido em Minas Gerais.
Mineirinho tornou-se
figura famosa naqueles anos por suas insistentes e perigosas infrações, como
inúmeros assaltos a lojas comerciais à luz do dia, atentados contra a polícia
militar do Rio e três fugas, duas da cadeia e outra do Manicômio Judiciário
onde estava condenado a cumprir mais de um século de prisão. Dizem que escapou
dali jurando acertar as contas com os policiais que lá o colocaram. Desde sua
fuga, armadilhas foram meticulosamente preparadas e somente deu certo aquela
cuja caça contou com mais de trezentos homens.
A oração continua:
“desejas o meu auxílio no teu negócio, queres a minha proteção para restituir a
paz na tua família, tens desejo de conseguir algum emprego, queres ajudar
alguns pobres, alguma pessoa necessitada, queres a tua saúde ou a de alguém a
quem muito estimas? Coragem, que tudo obterás.” A biografia de Mineirinho
torna-se muito singular quando lida junto à prece. Conta-se, por exemplo, que
os próprios moradores davam guarita a ele quando as caçadas policiais
adentravam as labirínticas passagens da favela da Mangueira, onde morava, e era
considerado uma espécie de “Robin Hood” carioca. Talvez a mais clara diferença
entre o anti-herói inglês e o brasileiro seja a tuberculose da qual o último
sofria. Reza ainda a lenda que Mineirinho teria sete vidas. Sete, mas foram
treze as balas que lhe atingiram na madrugada daquele primeiro de maio de 1962.
Sua morte foi amplamente
noticiada pelos jornais e revistas da época, dentre elas a Senhor, na qual Clarice Lispector cronicava desde 1958. O texto Um grama de radium - Mineirinho foi
encomendado pelo conselho editorial e publicado no mês seguinte ao fato.
Clarice aponta a
crueldade no assassinato de Mineirinho e narra o exagero dos treze tiros que
atingiram o facínora em oposição à calma noturna dos “sonsos essenciais” que
dormem:
Mas há alguma coisa que, se
me faz ouvir o primeiro e o segundo tiro com um alívio de segurança, no
terceiro me deixa alerta, no quarto desassossegada, o quinto e o sexto me
cobrem de vergonha, o sétimo e o oitavo eu ouço com o coração batendo de
horror, no nono e no décimo minha boca está trêmula, no décimo primeiro digo em
espanto o nome de Deus, no décimo segundo chamo meu irmão. O décimo terceiro
tiro me assassina — porque eu sou o outro. Porque eu quero ser o outro.
Anos mais tarde, em
entrevista à TV Cultura, diria Clarice: “qualquer que tivesse sido o crime
dele, uma bala bastava. O resto era vontade de matar. Era prepotência.” E nisso
tinha absoluta razão. O Diário de Notícias publicou à época da perseguição que a
ordem dada era de que o prendessem a “qualquer custo”.
Já era tempo de, com ironia
ou não, sermos mais divinos, escreveu Clarice. Se
adivinhamos o que seria a bondade de Deus é porque adivinhamos em nós a
bondade, aquela que vê o homem antes de ele ser um doente do crime. Continuo,
porém, esperando que Deus seja o pai, quando sei que um homem pode ser o pai de
outro homem.
“Agora, volta às tuas
ocupações e não te esqueças do que te recomendei; vem sempre procurar-me,
porque eu te espero; tuas visitas me hão de ser sempre agradáveis, porque amigo
afeiçoado como eu não acharás”. Este é o fim da oração de Santo Antônio.
No
entanto, a história de Mineirinho não terminou naquela madrugada. Além de toda
a notoriedade social – em seu enterro, compareceram mais de duas mil pessoas –
e de ter se tornado um marcante personagem clariciano, sua biografia foi
adaptada para o cinema em 1967, com direção de Aurélio Teixeira e o título Mineirinho Vivo ou Morto.
Elizama Almeida,
in claricelispectorims.com.br
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