“O
que mais estreitamente liga os homens na vida não são forças puras e generosas.
Se assim fosse, não se teria queimado nem ofendido tanta gente superior que
andou no mundo. O óptimo moral e intelectual da humanidade é um compromisso
entre o bom e o mau, entre o limpo e o sujo, entre a Quaresma e o Carnaval. Por
isso, quem traz uma chama limpa a alumiá-lo, e teima em segui-la, não pode ser
entendido nem tolerado por aqueles que ou não precisam de luz, como as
toupeiras, ou se remedeiam com um simples morrão de candeia.
É
certo que os calendários civis e religiosos apenas perpetuam heróis e santos.
Mas, olhando bem, vê-se que é sempre a mesma história. Queima-se ou
crucifica-se primeiro o herói ou o santo, joga-se aos dados a sua túnica, e,
quando dele não resta nem a sombra das cinzas, aparece um centurião qualquer a
dizer: ‘Verdadeiramente este homem era filho de Deus’.”
Miguel Torga, in Diário
(1941)
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