“Há
muitas espécies de liberdade. Umas tem o mundo de menos, outras tem o mundo de
mais. Mas ao dizer que pode haver ‘de mais’ de uma certa espécie de liberdade
devo apressar-me a acrescentar que a única espécie de liberdade que considero
indesejável é aquela que permite diminuir a liberdade de outrem, por exemplo, a
liberdade de fazer escravos.
O
mundo não pode garantir-se a maior quantidade possível de liberdade
instituindo, pura e simplesmente, a anarquia, pois nesse caso os mais fortes
seriam capazes de privar da liberdade os mais fracos. Duvido de que qualquer
instituição social seja justificável se contribui para diminuir o quantitativo
total de liberdade existente no mundo, mas certas instituições sociais são
justificáveis apesar do fato de coarctarem a liberdade de um certo indivíduo ou
grupo de indivíduos.
No
seu sentido mais elementar, liberdade significa a ausência de controles externos
sobre os atos de indivíduos ou grupos. Trata-se, portanto, de um conceito
negativo, e a liberdade, por si só, não confere a uma comunidade qualquer alta
valia.
Os
Esquimós, por exemplo, podem dispensar o Governo, a educação obrigatória, o
código das estradas, e até as complicações incríveis do código comercial. A sua
vida, portanto, goza de um alto grau de liberdade; contudo, poucos homens
civilizados prefeririam viver assim a viver no seio de uma comunidade mais
organizada.
A liberdade é um requisito indispensável
para a obtenção de muitas coisas valiosas; mas essas coisas valiosas têm de
partir dos impulsos, desejos e crenças daqueles que desfrutam dessa liberdade.
A existência de grandes poetas confere um certo brilho a uma comunidade, mas
não se pode ter a certeza de que a comunidade produzirá grande poesia só pelo
fato de não existir uma lei que a proíba. De uma maneira geral, consideramos
justo que se obrigue a juventude a ler e a escrever, ainda que a maioria dos
jovens preferisse o contrário; fazemo-lo porque acreditamos em bens positivos
que só um alto grau de alfabetização torna possível. Mas, ainda que a liberdade
não constitua o total das coisas socialmente desejáveis, é tão necessária para
a obtenção da maioria delas, e corre tanto o risco de ser insensatamente
limitada, que mal será possível exagerar a sua importância."
Bertrand
Russell, in Realidade e Ficção
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