Verdadeiramente
nunca falamos um com o outro.
Sem
dúvida teremos dito algumas palavras, mas essas palavras, raras, terão mais o valor
de gestos, de carícias, do que o sentido das complexas construções mentais da
linguagem. A nossa intimidade foi porém total.
Dessa
intimidade, bruscamente interrompida pelo acidente na banheira, não guardei um
álbum de imagens que possa rever enternecido nos longos serões de inverno que
nos aguardam no futuro. O universo tem em comum a textura, a cor e o brilho dos
olhos humanos, da íris cheia de móveis profundidas, do abismo interior das
pupilas.
Ignorávamos
a pobre decoração dos quartos, a angústia dos espaços, a áspera textura de
sensações da cidade.
A
comunicação fazia-se ao nível do plano próximo dos olhos, ao nível da pele dos
corpos nus em contato, pela troca permanente dos hálitos, pela invasão gradual
dos sentidos donde as outras imagens iam sendo afastadas para distantes regiões
da memória.
Da intimidade fizemos um destino. Apropriamo-nos
dos domínios interiores das experiências que trazíamos até a fusão numa vida
única e num corpo único, apenas mascarada pela farsa absurda e ridícula da
morte.
Júlio
Moreira, in O insecto perfeito
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