Nós somos um
temível pistoleiro. Estamos num bar de uma pequena cidade do Texas. O ano é
1880. Tomamos uísque a pequenos goles. Nós temos um olhar soturno. Em nosso
passado há muitas mortes. Temos remorsos. Por isto bebemos.
A porta se abre.
Entra um mexicano chamado Alonso. Dirige-se a nós com desrespeito. Chama-nos
de gringo, ri alto, faz tilintar a espora. Nós fingimos ignorá-lo.
Continuamos bebendo nosso uísque a pequenos goles. O mexicano aproxima-se de
nós. Insulta-nos. Esbofeteia-nos. Nosso coração se confrange. Não queríamos
matar mais ninguém. Mas teremos de abrir uma exceção para Alonso, cão mexicano.
Combinamos o
duelo para o dia seguinte, ao nascer do sol. Alonso dá-nos mais uma pequena
bofetada e vai-se. Ficamos pensativo, bebendo o uísque a pequenos goles.
Finalmente atiramos uma moeda de ouro sobre o balcão e saímos. Caminhamos
lentamente em direção ao nosso hotel. A população nos olha. Sabe que somos um
temível pistoleiro. Pobre mexicano, pobre Alonso.
Entramos no
hotel, subimos ao quarto, deitamo-nos vestido, de botas. Ficamos olhando o
teto, fumando. Suspiramos. Temos remorsos.
Já é manhã.
Levantamo-nos. Colocamos o cinturão. Fazemos a inspeção de rotina em nossos
revólveres. Descemos.
A rua está
deserta, mas por trás das cortinas corridas adivinhamos os olhos da população
fitos em nós. O vento sopra, levantando pequenos redemoinhos de poeira. Ah,
este vento! Este vento! Quantas vezes nos viu caminhar lentamente, de costas
para o sol nascente?
No
fim da rua Alonso nos espera. Quer mesmo morrer, este mexicano.
Colocamo-nos
frente a ele. Vê um pistoleiro de olhar soturno, o mexicano. Seu riso se apaga.
Vê muitas mortes em nossos olhos. É o que ele vê.
Nós
vemos um mexicano. Pobre diabo. Comia o pão de milho, já não comerá. A viúva e
os cinco filhos o enterrarão ao pé da colina. Fecharão a palhoça e seguirão
para Vera Cruz. A filha mais velha se tornará prostituta. O filho menor,
ladrão.
Temos
os olhos turvos. Pobre Alonso. Não devia nos ter dado duas bofetadas. Agora
está aterrorizado. Seus dentes estragados chocalham. Que coisa triste.
Uma
lágrima cai sobre o chão poeirento. É nossa. Levamos a mão ao coldre. Mas não
sacamos. É o mexicano que saca. Vemos a arma em sua mão, ouvimos o disparo, a
bala voa para o nosso peito, aninha-se em nosso coração. Sentimos muita dor e
tombamos.
Morremos,
diante do riso de Alonso, o mexicano.
Nós, o pistoleiro, não devíamos ter piedade.
Moacyr
Scliar, in Para gostar de ler – volume 9 - contos
eu adoro esses contos (...)
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