sexta-feira, 29 de março de 2013

Um disco fundamental da MPB

Nara Leão 
Opinião de Nara (1964)

Durante muitos anos, boa parte do repertório musical brasileiro gravado ficou esquecido nas prateleiras de lojas de discos ou em sebos, ocasionando uma procura muito grande daqueles que buscavam manter uma boa discoteca e/ou ouvir novamente grandes momentos de nossa canção popular. Muitos dos antigos LPs mesmo quando eles reinavam no mercado não eram relançados, e assim as novas gerações pouco conheciam do trabalho de cantores e intérpretes. As já famosas coletâneas lançavam apenas o básico do repertório de cada artista e se repetiam sempre. Com o advento do CD descobriu-se que uma maneira de esquentar as vendas do mercado fonográfico: seriam as gravadoras abrirem seus arquivos e relançarem discos históricos e fundamentais, resgatando assim um patrimônio musical inigualável e, por consequência direta, conservar de forma definitiva antigas matrizes, além, é claro, de despertar o interesse por antigos artistas que fizeram a história da música popular brasileira.
Apesar do esforço, muitos discos acabaram tendo uma tiragem pequena, porém a sua distribuição na maioria das vezes precária não se preocupou em fazer retorná-los a grandeza que tinham quando foram originalmente lançados e, dessa maneira, muitos ainda continuam esquecidos nas prateleiras das lojas, e o publico pouco sabe da sua existência, agora sob novo formato e com a gravação restaurada. É uma pena, pois um trabalho como esse merecia mais cuidado, até porque em tais relançamentos incidem custos que se não derem o resultado financeiro esperado, já que ninguém faz nada para ter prejuízo, a tendência é diminuir o ritmo de relançamentos, perdendo com isso o público e a memória de nossa canção.
Por outro lado, também muitas dessas iniciativas acabam obtendo o êxito almejado por estarem sob os cuidados de profissionais que sabem exatamente o que e porque estão empenhados nessa luta em prol da revalorização da música nacional. Estas palavras iniciais são para nos remeter aos oportunos lançamentos que já vem ocorrendo a alguns anos das obras completas de grandes interpretes/compositores, e no caso especifico nestas linhas falaremos de um LP de Nara Leão que faz parte das duas caixas com o total de sua discografia, relançada e remasterizada no formato digital.
O disco em questão é Opinião de Nara e é fundamental para uma discografia básica de música brasileira por diversos fatores, dentre eles o fato de ter despertado em Oduvaldo Viana Filho a ideia a partir de seu título de produzir um dos mais importantes shows de música brasileira em todos os tempos, Opinião, que contou além de Nara, com a participação de Zé Kéti, João do Vale e foi o responsável pelo lançamento de Maria Bethânia.
A gravação produzida pelo selo Philips iniciou-se em setembro de 1964 em São Paulo, no estúdio da Rádio Gazeta, e contava com a participação do maestro Erlon Chaves ao piano, Tião Neto no baixo e Edson Machado na bateria, sendo depois concluída no estúdio da Phonogram no Rio de Janeiro. Nara Leão nessa ocasião vinha se distanciando do rótulo de musa da Bossa Nova e partia para um repertório cada vez mais engajado: vivíamos os primeiros momentos da ditadura e a perspectiva futura era muito sombria, por outro lado, havia a forte influência em sua carreira dos compositores e das ideias oriundas dos CPCs os Centros Populares de Cultura da UNE – União Nacional dos Estudantes.
Este seu segundo LP seguiria as bases do repertório do seu primeiro trabalho produzido por Aloysio de Oliveira para a gravadora Elenco e contava com uma seleção de músicas que misturava os sambas de Zé Kéti e João do Vale indo aos compositores de sua geração como Edu Lobo e Baden Powell e outros como Tom Jobim,Vinicius de Moraes e Sérgio Ricardo. Nessa salada musical bem dosada não faltaram canções líricas como Derradeira primavera, de Tom e Vinicius, os sambas Labareda e Deixa, de Baden e Vinicius, Em tempo de adeus, de Edu Lobo e Ruy Guerra, Opinião e Acender as velas, de Zé Kéti, Chegança, de Edu Lobo e Oduvaldo Viana Filho, Sina de caboclo, de João do Vale e J. B. de Aquino, que tratava de reforma agrária e Esse mundo é meu, de Sergio Ricardo, que deram o toque político do disco.
Acrescente-se ainda Berimbau, de João Melo e Clodoaldo Brito, Na roda de capoeira, do folclore baiano e a clássica marcha Malmequer, de Newton Teixeira e Cristóvão de Alencar, sucesso do carnaval de 1941, inaugurando um hábito de Nara que era incluir em cada um de seus discos um antigo clássico da música brasileira. Destaque também para a introdução de Opinião, de Zé Kéti, que por sugestão de Glauber Rocha, que aliás deus vários palpites no disco, vem precedida por batidas de tambores, relembrando toques marciais militares, a fim de não nos esquecermos que vivíamos momentos de um poder político oriundo das casernas.
Juntando-se tudo isso temos um disco permanente, autoral, indispensável, uma intérprete inesquecível e o melhor da música popular brasileira contemporânea. Que seja, pois, bem vindo de volta às nossas casas.
Luiz Américo Lisboa Junior, in www.luizamerico.com.br

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