Nara Leão
Opinião de Nara (1964)
Durante
muitos anos, boa parte do repertório musical brasileiro gravado ficou esquecido
nas prateleiras de lojas de discos ou em sebos, ocasionando uma procura muito
grande daqueles que buscavam manter uma boa discoteca e/ou ouvir novamente
grandes momentos de nossa canção popular. Muitos dos antigos LPs mesmo quando
eles reinavam no mercado não eram relançados, e assim as novas gerações pouco
conheciam do trabalho de cantores e intérpretes. As já famosas coletâneas lançavam
apenas o básico do repertório de cada artista e se repetiam sempre. Com o
advento do CD descobriu-se que uma maneira de esquentar as vendas do mercado
fonográfico: seriam as gravadoras abrirem seus arquivos e relançarem discos
históricos e fundamentais, resgatando assim um patrimônio musical inigualável e,
por consequência direta, conservar de forma definitiva antigas matrizes, além,
é claro, de despertar o interesse por antigos artistas que fizeram a história
da música popular brasileira.
Apesar
do esforço, muitos discos acabaram tendo uma tiragem pequena, porém a sua
distribuição na maioria das vezes precária não se preocupou em fazer
retorná-los a grandeza que tinham quando foram originalmente lançados e, dessa
maneira, muitos ainda continuam esquecidos nas prateleiras das lojas, e o publico
pouco sabe da sua existência, agora sob novo formato e com a gravação
restaurada. É uma pena, pois um trabalho como esse merecia mais cuidado, até
porque em tais relançamentos incidem custos que se não derem o resultado
financeiro esperado, já que ninguém faz nada para ter prejuízo, a tendência é
diminuir o ritmo de relançamentos, perdendo com isso o público e a memória de
nossa canção.
Por
outro lado, também muitas dessas iniciativas acabam obtendo o êxito almejado
por estarem sob os cuidados de profissionais que sabem exatamente o que e
porque estão empenhados nessa luta em prol da revalorização da música nacional.
Estas palavras iniciais são para nos remeter aos oportunos lançamentos que já
vem ocorrendo a alguns anos das obras completas de grandes
interpretes/compositores, e no caso especifico nestas linhas falaremos de um LP
de Nara Leão que faz parte das duas caixas com o total de sua discografia,
relançada e remasterizada no formato digital.
O
disco em questão é Opinião de Nara e
é fundamental para uma discografia básica de música brasileira por diversos
fatores, dentre eles o fato de ter despertado em Oduvaldo Viana Filho a ideia a
partir de seu título de produzir um dos mais importantes shows de música
brasileira em todos os tempos, Opinião,
que contou além de Nara, com a participação de Zé Kéti, João do Vale e foi o
responsável pelo lançamento de Maria Bethânia.
A
gravação produzida pelo selo Philips iniciou-se em setembro de 1964 em São
Paulo, no estúdio da Rádio Gazeta, e contava com a participação do maestro
Erlon Chaves ao piano, Tião Neto no baixo e Edson Machado na bateria, sendo
depois concluída no estúdio da Phonogram no Rio de Janeiro. Nara Leão nessa
ocasião vinha se distanciando do rótulo de musa da Bossa Nova e partia para um
repertório cada vez mais engajado: vivíamos os primeiros momentos da ditadura e
a perspectiva futura era muito sombria, por outro lado, havia a forte influência
em sua carreira dos compositores e das ideias oriundas dos CPCs os Centros
Populares de Cultura da UNE – União Nacional dos Estudantes.
Este
seu segundo LP seguiria as bases do repertório do seu primeiro trabalho
produzido por Aloysio de Oliveira para a gravadora Elenco e contava com uma
seleção de músicas que misturava os sambas de Zé Kéti e João do Vale indo aos
compositores de sua geração como Edu Lobo e Baden Powell e outros como Tom
Jobim,Vinicius de Moraes e Sérgio Ricardo. Nessa salada musical bem dosada não
faltaram canções líricas como Derradeira
primavera, de Tom e Vinicius, os sambas Labareda
e Deixa, de Baden e Vinicius, Em tempo de adeus, de Edu Lobo e Ruy
Guerra, Opinião e Acender as velas, de Zé Kéti, Chegança, de Edu Lobo e Oduvaldo Viana
Filho, Sina de caboclo, de João do
Vale e J. B. de Aquino, que tratava de reforma agrária e Esse mundo é meu, de Sergio Ricardo, que deram o toque político do
disco.
Acrescente-se
ainda Berimbau, de João Melo e
Clodoaldo Brito, Na roda de capoeira,
do folclore baiano e a clássica marcha Malmequer,
de Newton Teixeira e Cristóvão de Alencar, sucesso do carnaval de 1941,
inaugurando um hábito de Nara que era incluir em cada um de seus discos um
antigo clássico da música brasileira. Destaque também para a introdução de
Opinião, de Zé Kéti, que por sugestão de Glauber Rocha, que aliás deus vários
palpites no disco, vem precedida por batidas de tambores, relembrando toques
marciais militares, a fim de não nos esquecermos que vivíamos momentos de um
poder político oriundo das casernas.
Juntando-se tudo isso temos um disco
permanente, autoral, indispensável, uma intérprete inesquecível e o melhor da música
popular brasileira contemporânea. Que seja, pois, bem vindo de volta às nossas
casas.
Luiz
Américo Lisboa Junior,
in www.luizamerico.com.br
Nenhum comentário:
Postar um comentário