Perguntei
a ele se tinha visto algum fuzilamento. Sim, tinha visto. Chino Heras tinha
visto um coronel ser fuzilado, no final de 1960, no quartel de La Cabana. A
ditadura de Batista tinha muitos carrascos, coisa ruim a serviço da dor e da
morte; e aquele coronel era um dos muitos, um dos piores.
Estávamos
em meu quarto, numa roda de amigos, em um hotel de Havana. Chino contou que o
coronel não tinha querido que vendassem os seus olhos, e sua última vontade não
fora um cigarro: o coronel pediu que o deixassem comandar seu próprio
fuzilamento.
O
coronel gritou: Preparar! e gritou: Apontar! Quando ia gritar: Fogo!, o fuzil
de um dos soldados travou. Então o coronel interrompeu a cerimônia.
—
Calma — disse para a fila dupla de homens que deviam matá-lo. Eles estavam tão
próximos que quase podia tocá-los.
—
Calma — disse. Não fiquem nervosos.
E
novamente mandou preparar armas, e mandou apontar, e quando estava tudo em
ordem, mandou disparar. E caiu.
Chino
contou esta morte do coronel, e ficamos calados. Éramos vários naquele quarto,
e todos nos calamos.
Esticada
feito uma gata sobre a cama, havia uma moça de vestido vermelho. Não recordo
seu nome. Recordo suas pernas. Ela tampouco disse nada.
Passaram-se
duas ou três garrafas de rum e no fim, todo mundo foi dormir. Ela também. Antes
de ir embora, da porta entreaberta, olhou para o Chino, sorriu e agradeceu:
—
Obrigada — disse — Eu não conhecia os detalhes. Obrigada por ter me contado.
Depois
soubemos que o coronel era pai da moça.
Uma
morte digna é sempre uma boa história para se contar, mesmo que seja a morte
digna de um filho da puta. Mas eu quis escrevê-la, e não consegui.
Passou
o tempo e esqueci.
Da moça, nunca mais ouvi falar.
Eduardo
Galeano, in O livro dos abraços
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