Jasmira,
que morava na casa pintada com bolinhas cor-de-rosa. Andava somente a pé.
Varava grotões, trilhas, socavões, matas e chegava antes que os motorizados nas
cidades vizinhas. Tinha partes com marcianos, diziam. E cada passo era maior
que uma légua. Rápida, forte, seca como vara de marmelo. Colorida, porque amava
os mimos da beleza e o brilho em si. E perfumada, com um toque de "Madeira
do Oriente".
Era
querida na vila. As crianças lhe davam adeuses. Sabia o nome de todos, brincava
com todos. Lavava dezenas de trouxas de roupas e derriçava o café. Simpática,
por ser. Por nascença. Mas com um porrete na mão. Não lhe humilhassem. Nenhum
rico se metesse à besta.
Devota
de Nossa Senhora Aparecida. Mas não encontrava na igreja católica um jeito de
pagar uma promessa que fizera. Dizia: - Tem que ser de um jeito que todo mundo
saiba que eu paguei a promessa à minha pretinha santa.
E
o tempo escorria. Um dia, apareceu no povoado um parque mambembe. Cavalinhos,
roda-gigante, Atená, a Gorila, jogo-de-argolas, tiro-ao-alvo. E um palco para o
mágico e os músicos.
A
vila se encheu de gente. Parques mambembes eram tudo de bom. E, no alto-falante
se anunciava: uma rumba com uma deusa da beleza africana. O povaréu se espremeu
para ver, no palanque iluminado, a tal entidade do Sublime.
E,
no palco, aparece Jasmira, vestida a rigor, num biquíni cheio de babados
coloridos, grandes argolas nas orelhas, colares de todo tipo, pulseiras, e um
forte batom vermelho. No lado da cabeça, uma flor de pano.
O
povo delirou, gritavam Jasmira, Jasmira, que iniciou sua dança. Muito magra, e
musculosa, não conseguia ser graciosa, movimentos duros, um rebolado que não
torneava, não criava ondas, apenas seus longos braços se agitavam para o ar.
Eu
assistia perplexo, enquanto o povo mergulhava em todo tipo de chiste e riso.
Acabada a música, Jasmira falou ao microfone: Essa dança eu dedico à minha
santinha preta, Nossa Senhora d´Aparecida, que me curou de uma doença. É para
ela que estou dançando, obrigada!
Desceu
do palco pela escada em que me encontrava, perto. - Tuninho, me disse ela na
contraluz dos holofotes, suas joias baratas e coloridas resplandecendo com a
forte lâmpada, gotas de suor repartindo estrelinhas pelo seu corpo, Tuninho,
você acha que a santinha gostou? Eu queria que todos soubessem...
Jogou uma capa azulada sobre o corpo,
pegou o cajado, esquecido debaixo do palco, e sumiu na noite, pelo lado vazio
da praça, onde não havia ninguém, magnetizada, leve e rápida. Provavelmente,
sob a proteção de sua santa, iguais na cor e no manto.
José
Antônio Abreu de Oliveira,
escritor fluminense, in www.releituras.com
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