“A
índole é, muitas vezes, ocultada; outras, subjugada; quase nunca extinta. A
força faz a índole mais violenta, em represália; a doutrina e o discurso
tornam-a menos importuna; somente o costume alcança alterá-la e refreá-la.
Àquele que busca vencer a sua própria índole não se deve propor tarefas nem
muito grandes nem muito pequenas; as primeiras tornar-se-ão desalentado ante os
sucessivos fracassos; as outras, devido às repetidas vitórias, tornar-se-ão
convencido. A princípio, deve-se adestrar com auxílios, como o fazem os
nadadores com bexigas ou cortiças; mas ao cabo de certo tempo, é mister se
adestre com desvantagens, como os dançarinos com sapatos pesados. Chega-se a
grande perfeição quando a prática é mais árdua do que o uso. Quando a índole é
pujante e, por consequência, difícil de vencer, o primeiro passo será
resistir-lhe e deter-lhe os ímpetos a tempo, a exemplo daquele que, quando
estava irado, repetia as vinte e quatro letras do alfabeto; em seguida,
racioná-la em quantidade, como o que, proibido de beber vinho, passou dos
repetidos brindes a um trago nas refeições; por fim, anulá-la de todo.
Não erra o antigo preceito em recomendar
que, para endireitar a índole, se a encurve até ao extremo contrário, contanto
que este não seja vicioso. Ninguém deve impingir a si mesmo um hábito com
perpétua continuidade, mas sim com alguma intermitência. A pausa reforça a nova
arremetida, e se alguém que não seja perfeito estiver sempre em adestramento,
exercitará tanto os seus erros quanto as suas habilidades, convertendo ambos em
hábitos; e não há outra maneira de evitar isso senão mediante intermitências
regulares. Que ninguém confie excessivamente na vitória que alcançou sobre a sua
própria índole, pois esta pode permanecer soterrada por longo tempo e, contudo,
reviver conforme a ocasião ou tentação.”
Francis
Bacon, in Ensaios Civis e Morais
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