Caríssimo
Xico,
Não é por estar na sua
presença, meu prezado rapaz, mas você vai bem, você vai bem demais com essa
gostosona que te acometeu assim, sem mais, logo na véspera de nossa
correspondência. Quem mo dera tamanha sorte e assunto para manter atenta a
plateia desta exibição digital entre o repentista pernambucano e o fadista
lusitano, os dois empenhados em desvendar o que vai por trás – é esse mesmo o
assunto que nos move a correspondência? – das portas de seus cafofos.
Esse
negócio de bater porta me lembra a música do Lupicínio, aquela do “eu estou lhe
mostrando a porta da rua pra que você saia sem eu lhe bater”, mas
definitivamente não é dela que estamos falando. Também não estamos falando aqui
da porta do Jack Nicholson. Investigado por um delegado de Hollywood sobre por
que pagava garotas de programas, se ele podia ter as mulheres que quisesse,
Jack foi sincero: “Eu não pago pra elas transarem comigo, doutor, eu pago pra
em seguida elas baterem a porta e saírem de cena”.
Estamos
bem na batida das portas, meu bom Xico, e olha que a última vez que eu abri a
minha, fi-lo com muita desconfiança. Somos leitores de Drummond, sabemos muito
bem que o amor bate na porta, o amor bate na aorta, mas quem não tiver cuidado,
como foi o caso do poeta, acaba se constipando. Eu tenho pegado leve com esse
negócio de mulher batendo a porta. Já vi porta rangendo os dentes e aos gritos
de “nunca mais, paspalhão”. Também já vi porta servindo de cama. Você, como
sempre, foi na mosca. Há quem leia o destino na borra do café, há quem leia o futuro
no cocô do passarinho. Nada contra, mas é na batida da porta que está o segredo
do amor.
De nada me
queixo, Xico, mas não por acaso há uma meia dúzia de meses troquei de porta.
Comprei uma dessas com fechadura de senha. Coloquei no segredo o nome de uma
mulher só e disse o código só pra ela. Temos ido bem nesse pacto. É o nosso
Rosebud. Essa mulher acabou de sair daqui e, pelo jeito que bateu a porta, acho
que voltará muitas outras vezes e, se Deus quiser, me fará o pão doce em que é
mestra, o beijo de lichia em que é rainha. A propósito, ela mandou um
salamaleque de boas-vindas para a sua gostosona e, com aquele sorriso branco
que acomete os anjos negros, disse que quer medir forças.
Enfim, querido
Xico, eu tenho estado muito otimista com esse movimento da minha porta, o
abre-te-Sésamo que instalei para controlar a portaria do meu ainda há pouco tão
esculhambado condomínio amoroso – e isso literariamente pode não ser bom. Você
sabe. O amor quando dá certo não rende manchete de jornal nem crônica que provoque
milhões de compartilhamentos no blog do instituto. Com toda sinceridade, Xico.
Sopra uma brisa vinda da praia de Ipanema, vejo umas garças sobrevoando a
Lagoa. Eis as notícias deste balneário.
Eu já pude
escrever, tinha o assunto mas me faltava o talento, essa nova música do
Caetano, de que o lugar mais frio do Rio é o seu quarto. Troquei o disco. Ando
mais para aquele texto do Rubem Braga, “Os amantes”, em que o casal tranca-se
durante uma semana no apartamento e devota-se às causas mais urgentes da
espécie. O beijo de boca grossa, cheio de cacófato, sem pressa. O conhecimento
dos corpos sem GPS, os dedos se deixando perder em cada curva do caminho.
Desculpe se o
decepciono, grande Xico, mas hoje não tem Antonio Maria, aquele que inchou até
explodir o coração no uísque mais vagabundo, aquele que teve a tristeza de
encontrar a ex-amada no meio da rua e lhe perguntar, fingindo-se banal, como ia
a saúde dela. Quer pior?
Outro dia, numa
dessas rápidas saídas em que fui investigar como estão as coisas, para ter o
que noticiar no jornal, passei por um colega nosso, desses que ganham a vida
escrevendo sobre o que vai no moderno da alma feminina. O homem estava um
trapo. Rosto amassado, batia boca com a mulher no meio da calçada. Eu fiz o
elegante. Apressei o passo, abaixei o rosto para que ele não me visse e fui em
frente, a tempo, no entanto, de ouvi-lo num lamentável “assim não dá”.
Assim não dá,
digo eu, baixinho, e deixo o amor soltando os cachorros lá fora. Digito o nome
dela na fechadura da porta e ponho-me aqui dentro, Dave Brubeck martelando a
tecla do piano com o “Blue Rondo a la Turk”. Hoje não tem a Amália Rodrigues de
costume, os xales negros de sempre, e as ameaçar de “você me paga, sua
bandida”, com os punhais envenenados no peito das traidoras. Hoje não tem pé na
bunda, meu bom Xico, nem boletim de ocorrência na delegacia mais próxima. Pega
a tua gostosona daí, eu pego a minha daqui. Amaralina é longe. Vamos viver de
brisa aqui na Ipanema da esquina.
Abraços e aquela
simpatia carioca que, você sabe, é quase amor.
Joaquim
Joaquim
Ferreira dos Santos, in
www.blogdoims.com.br
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