sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

Madrugada


Há coisas e fatos – aquela viagem, por exemplo – que permanecem para sempre como um símbolo; condicionam um conhecimento mais profundo do mundo, sobretudo de nossa própria essência. Creio que até então estivera perdido o tempo todo. Súbito, a consciência desse estado. E, no entanto, naquela noite que antecedeu a partida, ali no cabaré, diante de Albérico e da mulher, tomando cerveja e ouvindo música, jamais poderia supor que 'aquilo' acontecesse – ou melhor: que já estivesse determinado pela vida.
- Vamos embora – convidou Albérico.
Saímos para a noite morna, as ruas vazias àquela hora, nossos passos no calçamento espantando o silêncio. Estivemos em mais dois ou três lugares, nem me recordo bem. No Pina, onde comemos peixe cozido e pirão; depois, num daqueles 'dancings' quase à beira-mar, com suas prostitutas e marinheiros, homens e mulheres corroídos pelo tédio. Já madrugada regressamos ao centro. O alvorecer começava a rondar os telhados. Não valeria a pena ir dormir para acordar uma hora depois. Então, atravessamos a ponte, na direção do Cais do Apolo, e nos sentamos no paredão do Capibaribe, à sombra de velhos e enegrecidos armazéns.
Sentia-me cansado. Da vida, de mim mesmo. Quarenta anos. Que fizera, que sentido tinha minha existência? Vivera o quotidiano, o supérfluo.
Não, apesar da insistência, não levei a mulher. Por que iria levá-la, que representaria para mim sua companhia?
Digo-lhe: uma mulher como qualquer outra.
Mas nada disso tem importância. Não, não é bem isso que quero dizer. Tudo na vida tem importância: a pedra, o bicho, a árvore, o homem – mesmo que ele não conheça o amor.
Tudo aconteceu, pelo menos para mim. Isto: vivi a minha verdade.
José Condé, in Vento do amanhecer em Macambira (3° capítulo)

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