Há
coisas e fatos – aquela viagem, por exemplo – que permanecem para sempre como
um símbolo; condicionam um conhecimento mais profundo do mundo, sobretudo de
nossa própria essência. Creio que até então estivera perdido o tempo todo.
Súbito, a consciência desse estado. E, no entanto, naquela noite que antecedeu
a partida, ali no cabaré, diante de Albérico e da mulher, tomando cerveja e
ouvindo música, jamais poderia supor que 'aquilo' acontecesse – ou melhor: que
já estivesse determinado pela vida.
-
Vamos embora – convidou Albérico.
Saímos
para a noite morna, as ruas vazias àquela hora, nossos passos no calçamento
espantando o silêncio. Estivemos em mais dois ou três lugares, nem me recordo
bem. No Pina, onde comemos peixe cozido e pirão; depois, num daqueles
'dancings' quase à beira-mar, com suas prostitutas e marinheiros, homens e
mulheres corroídos pelo tédio. Já madrugada regressamos ao centro. O alvorecer
começava a rondar os telhados. Não valeria a pena ir dormir para acordar uma hora
depois. Então, atravessamos a ponte, na direção do Cais do Apolo, e nos
sentamos no paredão do Capibaribe, à sombra de velhos e enegrecidos armazéns.
Sentia-me
cansado. Da vida, de mim mesmo. Quarenta anos. Que fizera, que sentido tinha
minha existência? Vivera o quotidiano, o supérfluo.
Não,
apesar da insistência, não levei a mulher. Por que iria levá-la, que
representaria para mim sua companhia?
Digo-lhe:
uma mulher como qualquer outra.
Mas
nada disso tem importância. Não, não é bem isso que quero dizer. Tudo na vida
tem importância: a pedra, o bicho, a árvore, o homem – mesmo que ele não
conheça o amor.
Tudo aconteceu, pelo menos para mim.
Isto: vivi a minha verdade.
José
Condé, in Vento do amanhecer em Macambira (3°
capítulo)
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