Tentei,
um dia, descrever o mistério da aurora marítima.
Às cinco da manhã a angústia se veste de branco
E fica como louca, sentada espiando o mar...
Eu
a vira, essa aurora. Não havia cor nem som no mundo. Essa aurora, era a pura
ausência. A ânsia de prendê-la, de compreendê-la, desde então me perseguiu. Era
o que mais me faltava à Poesia:
E um grande túmulo veio
Se desvendando no mar...
Mas
sempre em vão. Quem era ela de tão perfeita, de tão natural e de tão íntima que
se me dava inteira e não me via; que me amava, ignorando-me a existência?
És tu, aurora?
Vejo-te nua
Teus olhos cegos
Se abrem, que frio!
Brilham na treva
Teus seios tímidos...
O
desespero inútil das soluções... Nunca a verdade extrema da falta absoluta de
tudo, daquele vácuo de Poesia:
Desfazendo-se em lágrimas azuis
Em mistério nascia a madrugada...
Lembrava uma mulher me olhando do fundo
da treva:
Alguém que me espia do fundo da noite
Com olhos imóveis brilhando na noite
Me quer.
Com olhos imóveis brilhando na noite
Me quer.
E
fora essa a única verdade conseguida. A aurora é uma mulher que surge da noite,
de qualquer noite - essa treva que adormece os homens e os faz tristes. Só a
sua claridade é amiga e reveladora. Ao poeta mais pobre não seria dado
desvendá-la em sua humildade extrema. O poeta Carlos, maior, mais simples, a
revelaria em sua pulcritude, a aurora que unifica a expressão dos seres, dá a
tudo o mesmo silêncio e faz bela a miséria da vida:
Aurora,
entretanto eu te diviso, ainda tímida,
inexperiente das luzes que vais acender
e dos bens que repartirás com todos os homens.
Sob o úmido véu de raivas, queixas e humilhações,
Adivinho-te que sobes, vapor róseo, expulsando a treva noturna.
O triste mundo facista se decompõe ao contato de teus dedos,
teus dedos frios, que ainda não se modelaram
mas que avançam na escuridão como um sinal verde e peremptório.
Minha fadiga encontrará em ti o seu termo,
minha carne estremece na certeza de tua vinda.
O suor é um óleo suave, as mãos dos sobreviventes se enlaçam,
os corpos hirtos adquirem uma fluidez,
uma inocência, um perdão simples e macio...
Havemos de amanhecer. O mundo
se tinge com as tintas da antemanhã
e o sangue que escorre é doce, de tão necessário
para colorir tuas pálidas faces, aurora.
entretanto eu te diviso, ainda tímida,
inexperiente das luzes que vais acender
e dos bens que repartirás com todos os homens.
Sob o úmido véu de raivas, queixas e humilhações,
Adivinho-te que sobes, vapor róseo, expulsando a treva noturna.
O triste mundo facista se decompõe ao contato de teus dedos,
teus dedos frios, que ainda não se modelaram
mas que avançam na escuridão como um sinal verde e peremptório.
Minha fadiga encontrará em ti o seu termo,
minha carne estremece na certeza de tua vinda.
O suor é um óleo suave, as mãos dos sobreviventes se enlaçam,
os corpos hirtos adquirem uma fluidez,
uma inocência, um perdão simples e macio...
Havemos de amanhecer. O mundo
se tinge com as tintas da antemanhã
e o sangue que escorre é doce, de tão necessário
para colorir tuas pálidas faces, aurora.
A
aurora dos que sofrem, a única aurora. Aquela mesma que eu vira um dia, mas
cujo segredo não soubera revelar. Uma mulher que surge da sombra...
Bem haja aquele que envolveu sua poesia
da luz piedosa e tímida da aurora!
Vinicius
de Moraes
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